Pensata

Eliane Cantanhêde

30/11/2005

As bengaladas

Num mesmo dia, ontem, Antonio Palocci Filho foi bem recebido na Câmara e José Dirceu recebeu duas bengaladas ao sair do plenário. Tudo indica, portanto, que os dois pilares do início do governo Lula estão caminhando em sentido oposto: Palocci está se salvando na Fazenda e Dirceu não só caiu da Casa Civil como pode perder o mandato ainda hoje.

Enquanto o ministro da Fazenda dava depoimento pela terceira vez numa comissão e se deixava fotografar com uma criancinha no colo, o ex-chefe da Casa Civil tinha dificuldades até para caminhar. As bengaladas foram bem na saída do plenário da Câmara, estrategicamente distribuídas diante de um monte de repórteres, fotógrafos, cinegrafistas.

Há muitas ilações a tirar de tudo isso, mas uma delas é a psicologia de Palocci, que encena o personagem doce e afável, e a de Dirceu, que prefere fazer o gênero poderoso, arrogante, agressivo, dono de si. Você aí, tão longe do Congresso, nem imagina como isso faz uma diferença danada, especialmente em votações secretas --como deverá ser a de hoje, sobre seu mandato.

A diferença de psicologia reflete, até, no tratamento que a oposição dispensa aos dois. A Palocci, visitas, telefonemas, tortuosas explicações para manter o silêncio sobre as acusações de sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto. A Dirceu, pau puro.

E não sem razão. Numa rápida retrospectiva, ele foi protagonista de todas as sucessivas crises do governo: era chefe de Waldomiro Diniz, que foi gravado ao pedir propina a um bicheiro; foi o principal alvo de Roberto Jefferson ("Sai daí, Zé!"); está, de alguma forma, envolvido em todas essas coisas que a gente lê sobre Delúbio Soares, Marcos Valério, Waldemar da Costa Neto e o próprio Jefferson.

A situação do Congresso, hoje, é essa: se não cassar Dirceu, não tem como cassar mais ninguém. Afinal, ele é acusado de ser o chefe do esquema. Se o chefe escapa, é porque não havia esquema. Certo? E como a população vai reagir hoje e na eleição de 2006?

Nunca é prudente apostar de véspera em resultado de votações no Senado e especialmente na Câmara, uma Casa maior, muito complexa, escorregadia, cheia de segredos. Mas, se há algo absolutamente consensual, é que ninguém agüenta mais. Talvez nem mesmo Dirceu, que tem brigado com unhas, dentes e liminares ao Supremo para ganhar tempo e cair "por cima" --com apoio de grupos intelectuais, por exemplo, e com o discurso de "perseguição política".

As bengaladas do paranaense barbudo, ironicamente comparado a um "Papai Noel", pelas barbas brancas, talvez tenha sido o limite. Do próprio Dirceu e de um Congresso que poucas vezes foi tão atingido como neste 2005. Está na hora de votar. A sorte de Dirceu já está mais do que lançada.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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