Pensata

Eliane Cantanhêde

30/08/2006

Não é para somar, é para dividir

Os programas eleitorais do rádio e da TV trataram os escândalos como se jamais tivessem existido e cristalizaram a eleição num patamar francamente favorável a Lula. Segundo o Datafolha divulgado ontem, ele está com 50%, contra 27% de Alckmin e 11% de Heloísa Helena, com fortes chances de ganhar no primeiro turno.

Isso reforça a sensação de "já ganhou" que eletriza a campanha do petista e desmobiliza a do tucano, a quase um mês, ainda, da eleição real --a das urnas e dos votos.

Mas o efeito mais gritante é na autoconfiança de Lula. Ele já é "o ídolo de si mesmo", como escreveu seu mais fiel porta-voz desde as lutas sindicais do ABC paulista, Ricardo Kotscho, num livro autobiográfico de leitura muito agradável, "Do golpe ao Planalto --uma vida de repórter".

Se Lula já é assim, já se sente o máximo e é absolutamente refratário a críticas (tudo, sempre, desqualificado como complô das elites...), imagine Lula vencendo a eleição no primeiro turno, com um caminhão de votos, como é muito provável que ocorra. Ninguém segura o homem.

É por isso que o próprio Lula prega um "entendimento nacional" e o coordenador político do governo, Tarso Genro, já fala em planos de 20 anos no poder, repetindo uma mania que vem de Fernando Collor e passou por Fernando Henrique Cardoso.

E é também por isso que ministros, parlamentares e assessores de Lula aumentam a pressão sobre líderes tucanos emergentes para buscar o tal entendimento, ou pacto. Os mais visados são José Serra e Aécio Neves, favoritos para os governos de São Paulo e Minas e potenciais nomes do PSDB para a Presidência na eleição de 2010.

É certo que PT e PSDB estão finalmente cansados de uma guerra de denúncias de escândalos em que todos saem perdendo. É certo também que, num sistema político como o brasileiro, presidentes têm mesmo que tentar o máximo de simpatia fora de seus partidos e até mesmo na oposição. E é certo, enfim, que governadores também devem manter uma postura pragmática com o Planalto.

Ou seja: é claro que petistas e tucanos estão conversando, como sempre conversaram.

O que não parece razoável é Lula e o seu pessoal dizerem que Serra e Aécio, principalmente, já estão no papo, topando todas as propostas palacianas para reforma política, fim da reeleição, mandato de cinco anos e "otras cositas más", que interessam muito mais a Lula do que a qualquer dos seus potenciais sucessores.

Esse pacto a três, que incluiria também o peemedebista Sérgio Cabral, líder das pesquisas para o governo do Rio, pode ter tudo a ver com administração e convivência entre Brasília e os três principais Estados da Federação.

Mas é difícil imaginar apoio de Lula e do PT a qualquer tucano em 2010. Aliás, a qualquer tucano, peemedebista, comunista, socialista ou o que for. Não é típico da disputa de poder e muitíssimo menos da tradição petista, que sempre pediu apoio, mas nunca costumou dar.

O mais provável é que Lula queira somar governadores com ele e dividir candidatos entre eles. Ou seja: jogar Serra e Aécio um contra o outro, e os dois contra os próprios tucanos. A começar de Geraldo Alckmin.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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