Pensata

Eliane Cantanhêde

29/10/2006

Em 2006, pacotes de bondades; em 2007, hora de maldades

Lula venceu porque: tem uma enorme identidade e interlocução com a grande maioria do eleitorado brasileiro, jogou a culpa dos escândalos nos outros, forçou a polaridade "pai dos pobres" versus "elite privatizante" e, enfim, usou sem pruridos a máquina do governo.

Em 2005, José Serra estava em franca ascensão, e Lula estava virtualmente derrotado. Em 2006, a máquina passou a funcionar --e a perseguir (no sentido de ir atrás) os recantos e segmentos onde o candidato não ia bem.

Em resumo: o governo reduziu a tabela do IR em 8%, favorecendo a classe média assalariada, aumentou o salário mínimo de R$ 300 para R$ 350, subiu o Bolsa Família em 20%, anunciou generosos pacotes para a construção civil, para a casa própria, para a agricultura, para as pequenas prefeituras. E deu aumentos seletivos para o funcionalismo público, gerando uma pressão por isonomia entre categorias e Poderes.

O resultado foi uma vitória acachapante no segundo turno, com crescimento de votos em praticamente todos os Estados e em todos os segmentos do eleitorado de Norte a Sul. Mesmo ferido pelas denúncias e pelas sucessivas quedas dos principais homens de seu primeiro mandato, Lula conseguiu repetir ontem, contra Alckmin, os índices que teve no segundo turno de 2002, contra Serra. Um fenômeno, consideradas tantas denúncias do Ministério Público, da Polícia Federal e da imprensa.

Agora, Lula tem enormes desafios pela frente. O primeiro é escolher a dedo seu ministério e evitar que surjam novos escândalos. O segundo é governar bem. O terceiro é não se contentar com programas de transferência de renda e combater a desigualdade social estrategicamente. Por exemplo, flexibilizando a economia, sem ameaçar a estabilidade.

A preocupação mais imediata é articular uma sólida base de apoio, aliada a uma espécie de trégua da oposição. E o primeiro teste será crucial: como fechar as contas, garantindo o ajuste fiscal.

Se 2005 foi o ano da "derrota", 2006 foi o dos pacotes de bondades. A partir de agora, e sobretudo em 2007, é hora de ajustar os desajustes: os aumentos da campanha não cabem nas contas do governo. É cortar ou cortar.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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