Pensata

Eliane Cantanhêde

13/12/2006

Bornhausen e Lula, além das ideologias

O presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), passou uma semana no exterior sem abrir a internet e sem notícias do Brasil. De volta, no domingo, abriu os jornais e ficou sabendo que:

1) a presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, foi assaltada no Rio;

2) o Supremo derrubou a cláusula de barreira, instrumento que corta as asinhas de partidos nanicos e considerado como fundamental para a reforma política;

3) o Congresso absolveu o deputado José Janene, considerado o mais "cassável" entre os "cassáveis".

4) De quebra, a previsão do PIB de 2006 continua caindo. Logo, logo, o Brasil vai ganhar do Haiti.

Como num velho programa humorístico, Bornhausen pensou: "Tu não queres que eu volte!" E contou a amigos que sua vontade foi de pegar o primeiro vôo de volta para a Europa ou para as Ilhas Canárias, onde se reuniu com lideranças políticas mundiais. Aliás, pegar o primeiro vôo é uma expressão que se torna comum. Muita gente tem pensado, dito e escrito isso ultimamente.

Na terça-feira, Bornhausen subiu à tribuna para se despedir do Senado depois de 16 anos de mandato e de uma vida inteira dedicada à política. Ele abandona as disputas eleitorais e os mandatos e se prepara para sair em abril/maio da presidência do PFL, partido que ajudou a criar em 1985, ao liderar a dissidência do PDS que foi decisiva para a redemocratização e para a eleição de Tancredo Neves, do PMDB.

Ele troca a presidência do PFL pela do órgão de estudos partidário, que vai virar fundação, deixando como exemplo uma regra elementar para a democracia: partidos de direita ou de centro-direita devem fazer oposição a partidos de esquerda ou de centro-esquerda, como vale na vice-versa. O PT sempre fez oposição a todos, mesmo ao centro-esquerda PSDB. O PFL faz oposição a Lula _e muito pela liderança e pela mão forte de Bornhausen.

Num jantar de fim de ano dos pefelistas com jornalistas, na mesma terça-feira, comentava-se a boca pequena o artigo do presidente do PMDB, Michel Temer, para a Folha, tentando justificar o porquê da adesão ao governo. Comentou-se que pegou mal. Direta e provocadora, como convém a mulheres e a novatas na política, a senadora Kátia Abreu foi mais objetiva. Contou que ligou para Temer com uma proposta: já que o desconforto é evidente, por que ele não se filia ao PFL? Esse, sim _dizia ela_ faz oposição.

Sai o veterano Bornhausen, entra em cena a promissora Kátia Abreu, que não pensa pequeno. Ela já está até botando seu nome na bolsa de apostas para substituir Bornhausen na presidência, o que deve deixar César Maia e seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia, de cabelo em pé. Rodrigo é o nome favorito para o cargo.

Falar de PFL na oposição, de despedida de Bornhausen, de como tudo anda meio de pernas para o ar é um bom exercício, principalmente quando está sendo definitivamente enterrado o corte do mundo entre "direita" e "esquerda", atribuindo-se todos os males do planeta à direita e toda a pureza de intenções à esquerda _que acha razoável desqualificar o adversário Bornhausen não pelas idéias, mas pelo sobrenome, pela origem e pelos olhos verdes. É o "alemão", traduzido para "nazista" quando convém. É ou não racismo"?

Preste atenção à seguinte frase e reflita: "Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas. Se você conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque também tem problemas. Então, quando a gente está com 60 anos (...), é a idade do ponto de equilíbrio (...), a gente se transforma no caminho do meio."

Ela foi dita por... Luiz Inácio Lula da Silva. Abismado? Perplexo? Pois é. O fato é que mesmo os que não são tão jovens, nem chegaram aos 60 e nunca votaram na direita devem aprender que a desqualificação barata e rasa não leva a nada. A esquerda não é incompetente, nem a direita é competente por definição. Como a esquerda não é santa, nem a direita é corrupta por definição.

Aliás, o governo Lula e o PT no poder têm dado lições contundentes nesse sentido. Aprende quem quer. Não apenas quem tem juízo.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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