Pensata

Eliane Cantanhêde

19/01/2007

Pragmatismo de Lula e Chávez

Política, política, negócios à parte. Em almoço no Copacabana Palace, ontem, no Rio, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez fecharam os projetos de duas refinarias, uma em cada país, e acertaram que o Brasil apoiará o desenvolvimento industrial da Venezuela com investimentos, transferência de tecnologia e projetos de cooperação.

Pelo acerto, a Petrobras terá 40% e a PDVSA (estatal de petróleo venezuelana) 60% da refinaria de Carabobo, na Venezuela, e ocorrerá o contrário na refinaria de Recife, que também é um empreendimento conjunto. O começo dos trabalhos de terraplenagem desta segunda deverá ser em abril.

Esse é um típico exemplo da estratégia brasileira para driblar as tensões do Mercosul ampliado e as disputas entre parceiros: se não há consenso no bloco, o Brasil trata de azeitar suas relações bilaterais.

Aproveitando a 32ª reunião de Cúpula do Mercosul, que acontece ontem e hoje no Rio, os dois presidentes também conversaram sobre os estudos de viabilidade do gasoduto do sul, cruzando vários países, que deverão ser anunciados até o final deste ano. Foi decidido que o gasoduto será objeto de um tratado, forma jurídica que diminui significativamente os riscos e, assim, diminui os custos do projeto. A Itaipu Binacional, com o Paraguai, é um tratado, por exemplo.

Segundo o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, a intenção do Brasil ao se dispor a investir e apoiar projetos na Venezuela tem um objetivo: "Ajudar o presidente Chávez a enfrentar um dos grandes problemas do país, que é a falta de planta industrial. A Venezuela não pode mais continuar vivendo exclusivamente do petróleo", disse.

Está sendo criado um grupo de trabalho para estudar os pontos de cooperação para transferência de tecnologia e investimentos em habitação, agricultura, pequenas e médias empresas e material de construção.

"A Venezuela precisa de um projeto de substituição de importações", disse
Garcia. O Brasil, por exemplo, exportou US$ 3,3 bilhões para a Venezuela de janeiro a novembro do ano passado, mas só importou US$ 548 milhões, ficando com um superávit de US$ 2,7 bilhões. Em resumo, a Venezuela não tem o que vender, além do petróleo.

Garcia, porém, não especificou as fontes de recursos para os projetos brasileiros no país de Chávez: "Podem ou não ser financiados pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]", disse.

Segundo Garcia, Chávez "ficou muito interessado" na intenção do Brasil e da Argentina de retirarem gradativamente o dólar como moeda de transações no Mercosul, medida que os sócios menores, o Paraguai e o Uruguai, rechaçam.

Quando lhe perguntaram se isso não dificultaria as relações financeiras entre os cinco países-membros, ele comparou: na Europa, a maioria dos países opera com euro, mas o Reino Unido mantém sua moeda antiga, a libra, sem problemas.

E quanto ao Banco do Sul, que Chávez tanto defende para a região? Resposta de Garcia: "Vamos ver". Segundo ele, o que há de concreto é uma percepção de que os parceiros devem ter como objetivo "maior autonomia financeira para a região, até para saber como melhor aplicar as crescentes reservas internacionais".

Os ministérios da Fazenda ou da Economia tentam chegar a propostas e
fórmulas, mas não há prazos para um projeto, muito menos para a implementação. O tema voltará à pauta em abril, num nova reunião dos presidentes, especificamente convocada para discutir energia, e já se poderá acertar prazos para a questão financeira.

Garcia acha que é um caminho natural, pois há projetos energéticos, de
infra-estrutura e de comunicações conjuntos. "É claro que, como
conseqüência, deverá haver recursos financeiros próprios para eles", disse.

Na versão do assessor internacional da Presidência, Lula disse textualmente a Chávez no almoço: "Nós não nos metemos em assuntos internos da Venezuela", em referência à decisão do venezuelano de convocar uma nova constituinte para permitir reeleições ilimitadas, além de anunciar a reestatização e possível nacionalização de empresas.

Na opinião de Garcia, "não se pode impugnar quem se manifeste pelo
socialismo do século 21 nem pelo capitalismo do século 19".

Quanto à provocação de Chávez contra ele, dizendo que ficara decepcionado
com sua fala de apenas cinco minutos sobre a Casa (Comunidade Sul-Americana de Nações), Garcia riu: "Vocês entenderam errado. Ele reclamou que eu só tive cinco minutos para falar".

Depois, disse que os dois conversaram a respeito da frase e ele explicou a Chávez que não teve intenção de explicar os entendimentos de um ano da
comissão especial da Casa, mas apenas apresentar o texto escrito para os
presidentes: "O texto era auto-explicável", disse.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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