Pensata

Eliane Cantanhêde

07/02/2007

Antiamericanismo ou anti-subserviência?

O governo Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao seu terceiro embaixador na embaixada mais cobiçada do mundo, literalmente: a de Washington.

O primeiro, herdado de Fernando Henrique Cardoso, foi Rubens Barbosa, que deixou o cargo e passou a ser um crítico elegante, porém assíduo, da política externa brasileira. Acha que o resultado é "a perda de oportunidades comerciais pelo Brasil nos maiores e mais dinâmicos mercados do mundo", como os EUA.

O segundo foi Roberto Abdenur, um diplomata discreto, que raramente falava em público, há bastante tempo listado entre os brilhos intelectuais do Itamaraty. E que agora, bastaram alguns dias de aposentadoria, dá uma guinada no estilo e sai chutando o pau da barraca em entrevista à revista "Veja". Segundo ele, a política externa de Celso Amorim é ideologizada e antiamericana. Já a de Lula é excelente. Ninguém sabia que existem duas.

O terceiro em Washington será um "jovem" de 52 anos, especialista em ONU, com o sugestivo nome de Antônio Patriota e com uma característica bem peculiar: é um "embaixador júnior" --nunca antes chefiou uma embaixada e a primeira será justamente a de Washington, a jóia da coroa. Coisas de Amorim. Ou coisas do Governo Lula. Naquelas frases tortuosas e tão tipicamente diplomáticas, Patriota tenta dizer que o Brasil tem boas relações com os EUA, sim, apenas rejeita qualquer tipo de subserviência.

Enquanto no Brasil se discutem o suposto antiamericanismo do "Itamaraty atual" e o sexo dos anjos, Washington está mais preocupado com temas mais substantivos: a dependência americana do petróleo venezuelano e árabe, os rumos nacionalizantes do governo Hugo Chávez, os acordos bilaterais pragmáticos com os países sul-americanos depois do insucesso da Alca. E, claro, eles estão muito preocupados, sim, em manter uma boa relação com o país maior, mais rico e mais populoso da região. Qual seja? O Brasil.

Lula pode até não ser o presidente dos sonhos dos americanos e de George W. Bush, mas entre o sonho e a realidade está o fato de que o presidente brasileiro nunca quebrou nem ameaça quebrar contratos, não cria confusão com o mercado, não põe em risco nenhum dos mandamentos de Washington.

Tanto que o próprio Bush, a poderosa Condoleezza Rice, os homens fortes da Casa Branca na política, na economia, no comércio, na energia, na segurança --todos eles já visitaram o Brasil, alguns mais de uma vez. E sempre com propostas concretas.

Os mais recentes visitantes são o subsecretário para Assuntos Políticos, Nicholas Burns, o responsável pela América Latina, Thomas Shannon, o homem da energia, Greg Manuel, e o secretário de Justiça e procurador-geral, Alberto Gonzales. Eles estão por aí, entre Brasília, Rio e São Paulo, falando com o governo federal sobre trocas e parcerias e com os principais governadores para listar os interesses comuns, passíveis de cooperação, como segurança e combustíveis alternativos.

Em resumo, querem ser "amigos". Porque interessa ser amigo do Brasil, de Lula, de quem tem o que receber e oferecer e de todos os que possam manter um bom equilíbrio na América do Sul --ou seja, contrabalançar o peso de Chávez.

O próprio Abdenur, na entrevista à "Veja", falou cobras, lagartos e adjetivos contra a política externa antiamericanista, mas... lá pelas tantas, enumerou uma série de acertos e vitórias e soltou que nunca as relações Brasil-EUA estiveram tão boas. Você entendeu? Se não, pergunte a ele.

E, quando Abdenur e Rubens Barbosa dizem que o Brasil está perdendo mil e uma oportunidades de negócios com a maior economia do planeta, vale lembrar que as exportações brasileiras para os EUA foram em torno de US$ 5 bilhões nos quatro últimos anos do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso. E praticamente dobraram nos primeiros quatro do governo Lula.

Para Abdenur, o que importa é a proporcionalidade: a participação brasileira nos negócios norte-americanos caiu para menos de 2%. Só que isso é também resultado do aumento da base de cálculo. Depois do extraordinário aumento das relações deles com a Índia, a base aumentou, a proporção brasileira caiu. Mas só em proporção. No volume, aumentou.

O fato é que ninguém consegue traduzir os adjetivos críticos ao tal antiamericanismo por números, dados, fatos que comprovem a tese --ou a pecha. Afinal, o que vem a ser exatamente isso?

Haver ou não antiamericanismo, por enquanto, não passa de uma discussão retórica que alimenta velhas briguinhas internas na Casa de Rio Branco. E, já que é assim, uma dúvida semântica: antiamericanismo ou anti-subserviência?
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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