Pensata

Eliane Cantanhêde

14/03/2007

Por quê? Porque Lula quis

Os cidadãos, mesmo os leigos em economia, sempre se perguntam quem, como, onde e por que os governantes tomaram tal ou qual decisão que afeta milhões de vidas. Com base em que regra científica? Com que parâmetros? As respostas demoram anos e costumam ser surpreendentes -- ou assustadoras.

Quando Fernando Collor de Melo assumiu a Presidência, em 1990, com aquele caminhão de votos e aquela ousadia desabalada, escolheu a economista Zélia Cardoso de Melo (que não é sua parente) para o Ministério da Economia e, juntos, decretaram o confisco da poupança do brasileiro.

Na época, o teto para manter o suado e não necessariamente rico dinheirinho era de 50 mil cruzados novos, que viraram 50 mil cruzeiros (ou seria o contrário? Nem importa mais). E por que não 40 mil, ou 60 mil, ou 100 mil?

A resposta, aflita, nervosa, só veio muito tempo depois: porque, numa reunião dos poderosos da época, quando se fechou o pacote do confisco, ninguém tinha idéia de um valor razoável e Zélia simplesmente chutou 50 mil. Chutou e emplacou. Regra científica zero. Parâmetro zero.

Já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, as perguntas que martelam corações, mentes e bolsos é por que a meta de inflação foi fixada em 4,5%, por que o superávit primário pulou para massacrantes 4,25% e por que, como resultado disso tudo, os juros são os maiores do planeta?

São perguntas de leigos, como nós, meros assalariados, de experts, como economistas, empresários, banqueiros, e de "gente do ramo" -- oportunistas e apostadores em geral.

Só agora as respostas chegam, pelo livro "Sobre Formigas e Cigarras" (Editora Objetiva), do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci Filho, agora de volta à Câmara dos Deputados. Por que a meta de inflação foi de 4,5% e não de 5% ou de 5,5%, que daria mais flexibilidade à política econômica? Porque... Lula quis.

Conforme registro da imprensa sobre o livro, estavam todos lá reunidos na piscina do Alvorada com Lula: Palocci, Dirceu e Gushiken (o "núcleo duro", lembra?) e mais Luiz Dulci e o vice José Alencar. Palocci queria 5%, Dirceu tentou 5,5%. Mas Lula é quem manda e não foi nada "Paz e Amor". Bateu o martelo e pronto.

A alegação do presidente para sua equipe foi a de que ele fora líder sindical durante anos, tinha combatido a inflação alta metade da vida e que 4,5% como meta estava bom demais. Regra científica zero. Parâmetros zero.

E assim vai caminhando a Humanidade, ou melhor, o Brasil. O presidente não precisa entender nada de economia, nem dar explicações. Usa o faro, a intuição, o poder. E manda bala.

Depois, quando os juros na estratosfera empurram o Brasil para o penúltimo lugar das Américas em índice de crescimento (só melhor do que o Haiti), basta jogar a culpa na "herança maldita" e dizer que, em compensação, as reservas internacionais bateram em US$ 100 bilhões.

E, quando a pressão aumenta, o presidente não se aflige. Chama Dilma Rousseff e lança o PAC. Com que regra e critério científico? Com que parâmetros? Bem, isso a gente deixa prá lá. Um dia desses, alguém escreve um livro e "explica tudo". Se é que há de fato algo para explicar, ou para entender.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca