Pensata

Eliane Cantanhêde

04/04/2007

Crise armada e desarmada. Será?

Em outubro, Lula passou por cima da Aeronáutica e mandou Waldir Pires e Luiz Marinho negociarem com os controladores militares que faziam operação-padrão. Em 30 de março, Lula passou por cima do próprio comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, e mandou Paulo Bernardo ceder tudo para os controladores em nome do governo. Agora, Lula acordou. O governo estava na mão de sargentos insubordinados.

Ou seja: lá atrás, o governo deveria ter reagido com firmeza na questão essencial da hierarquia e da disciplina, mas ouvindo e dando respostas justas às reivindicações que eram justas. Fez o oposto: feriu a hierarquia, foi leniente com a disciplina e não atendeu nenhuma das reivindicações. O efeito foi previsível: a cúpula da Aeronáutica se enfraqueceu, e os controladores se irritaram mais, se organizaram mais, se radicalizaram mais. Deu no que deu. Não há surpresa. Os únicos surpreendidos foram Lula e o governo.

Aliás, que surpresa a deles! A sugestão era: apertem os cintos, porque o governo inteiro sumiu. Lula estava a caminho dos EUA, o vice estava em Minas; o ministro da Defesa, no Rio; a chefe da Casa Civil, no Rio Grande do Sul. A crise caiu na cabeça do coitado do ministro Franklin Martins, com apenas alguns dias de governo, no coitado do ministro Paulo Bernardo, que não tem nada a ver com o peixe nem com os aviões, e da coitada da Erenice, uma funcionária da Casa Civil da qual ninguém nunca tinha ouvido falar.

Podia dar certo?

Agora, com o leite derramado, o governo tenta descobrir o que fazer. No primeiro momento, cedeu tudo; no segundo, recuou tudo; no terceiro, sabe-se lá o que será capaz de fazer...

Lula recuou, devolveu o comando da crise para a Aeronáutica e despachou Paulo Bernardo de volta ao campo de batalha para dizer, a la FHC (que sempre nega): "Esqueçam tudo que eu disse e que eu escrevi". Os controladores, perplexos, recolheram-se para decidir o que fazer. Há versões conflitantes. Numa, eles não vão se amotinar novamente na Semana Santa, que começa na prática amanhã. Noutra, a de que vão novamente parar os aeroportos. Pandemônio á vista.

Assim, o país está na dependência de um jogo de pôquer cheio de trunfos e blefes.

A Aeronáutica diz que tem um plano B: garante que os controladores que pararam são poucos (os que estavam de plantão) e basta isolá-los e prendê-los para dissuadir a grande maioria a acompanhá-los, com o inestimável poder de convencimento dos inquéritos militares que estão correndo no Ministério Público Militar, uma instância independente do governo. As punições para o crime de motim são pesadas (4 a 8 anos de prisão, com o veto de voltar ao serviço público para sempre). Assim, bastaria convocar os que estariam em casa e não querem brincar com fogo para repor os insubordinados.

Já os líderes dos controladores dizem que eles ganham mal, não têm condições de trabalho e estão dando de ombros para inquéritos ou para serem expulsos da corporação e do serviço público. Se forem presos, condenados e expulsos, vão acabar heróis. Dizem que têm pouco a perder.

Há dúvidas sérias, porém, nos dois lados. Nem os próprios controladores nem as cúpulas das Forças Armadas sabem quantos são os grevistas prontos a matar ou morrer e quantos seriam sensíveis aos apelos para desistirem do movimento. Será que é pouco mesmo a perder? Ou seja: não se sabe ao certo qual seria o contingente a ser substituído de emergência para neutralizar a greve. No dia 30, véspera da tal revolução de 64, eles conseguiram parar a capital da República, Curitiba e Manaus, com Recife entrando meio de quebra. São essas as bases do Cindacta.

No Exército e na Marinha, que ficaram apavorados com a possibilidade de vitória dos sargentos e a contaminação das demais Forças, os comandos acham que esse é justamente o grande nó: quantos são os controladores insubordinados e qual a capacidade de a Aeronáutica repor esse contingente? Uma coisa é certa: o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, me disse que não é verdadeira a versão de que estão recrutando controladores estrangeiros. "Não é preciso", garantiu. A ver.

Acho que eles (governo, Forças Armadas e controladores) vão saber o que era fato e o que era só blefe dos dois lados justamente nesta Páscoa. Como nós. Boa viagem!
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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