Pensata

Eliane Cantanhêde

18/04/2007

Guerras e guerras

Realmente, o assassinato de mais de 30 pessoas numa universidade americana foi terrível. Mas o que dizer das quase 20 mortes de ontem na guerra diária do Rio?

O UOL de ontem alternava manchetes e imagens sobre as duas tragédias. Ora a foto do jovem de origem asiática que não poupou os colegas nem três professores numa universidade de tecnologia na Virgínia, vizinha de Washington e bem perto de Nova York. Ora um grupo de cidadãos jogados no chão, tentando se esconder de um dos tiroteios no Rio.

A diferença entre a chacina da Virgínia e a do Rio é que a primeira foi causada por um autor solitário, num surto qualquer, enquanto a segunda é resultado de trocas rotineiras de tiros entre quadrilhas e entre quadrilhas e a polícia --com a população no meio, sujeita a balas perdidas.

Uma é resultado de uma cultura com forte componente racial e em que, vira e mexe, um jovem enlouquece, compra armas poderosas e caras ali na esquina, com a maior facilidade do mundo, e sai matando quem passa pela frente, como foi na escola Columbine há tão pouco tempo.

A outra é resultado de um choque social crônico e agora agudo, criado e alimentado pela falta de Estado. No Rio, em São Paulo, em Recife, em Salvador, em Cuiabá, em Manaus, em Brasília, mata-se e morre-se nem se sabe mais pelo quê. Antes, exemplificava-se: "por um tênis", ou "por um relógio". Agora, nem isso. Simplesmente mata-se e morre-se, ponto.

Perguntem à cidadã Edna Ezequiel, 33, por que ela perdeu a filha Alana com uma bala perdida e, pouco mais de um mês depois, perdeu também o irmão de 25 anos, massacrado na volta da maternidade, onde visitava o filho (mais um!) recém-nascido. Provavelmente, ela não saberá responder. Só sabe sentir.

Impotentes e perplexos, governos discutem se, como, quando e exatamente onde o Exército vai entrar na guerra. Enquanto os cidadãos fazem pior: discutem se devemos ou não, como sociedade, reduzir a idade penal para jogar os excluídos mais cedo nas penitenciárias e nas garras das feras.

Não são debates de quem realmente sabe como acabar com a guerra. Ao contrário, são justamente de quem não tem a menor idéia de como fazê-lo.

Por trás do jovem oriental que atirou contra meninos e meninas nos EUA e por trás das guerras de meninos e meninas que se matam e matam inocentes no Rio, há de tudo um pouco: a loucura individual, a loucura coletiva, o desprezo pela vida e uma falta de compreensão geral sobre as causas e sobre como curá-las.

Lá, nos EUA, os governos invadem e matam nos países alheios e convivem internamente com surtos individuais que resultam em até dezenas de mortes, como anteontem. Aqui, no Brasil, os governos estão perdidos; as polícias, corrompidas; as pessoas, entregues à própria sorte, e a violência é uma rotina diária e disseminada do Norte ao Sul. Pior: sem perspectiva de solução.

As mais de 30 mortes de anteontem na Virgínia logo virarão um filme de grande sucesso. As 19 (contabilidade até as 20h) de ontem no Rio são uma espécie de rotina nos telejornais, na internet, nos rádios e nos jornais do dia seguinte. Uma novela sem fim. Talvez nem gerem mais tanta comoção...
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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