Pensata

Eliane Cantanhêde

30/10/2002

O Brasil é uma festa!

O que diria Ernest Hemingway se estivesse vivo e assistisse a tudo o que está ocorrendo nos palácios de Brasília e nas ruas do país? Paris não é mais uma festa. O Brasil é que é!

O presidente que começa a arrumar as gavetas é sociólogo, professor, um "príncipe". O presidente eleito é um migrante nordestino, sem-diploma, torneiro mecânico e líder sindical. E este é a continuação daquele, até um avanço, uma demonstração da força da democracia brasileira, num clima raramente visto numa sucessão presidencial.

Ontem, FHC e Lula não só trocaram um efusivo abraço ao se encontrarem pela primeira vez depois da eleição de domingo como passaram 55 minutos conversando a sós no Palácio do Planalto.

Um escancarou portas, gabinetes, documentos, programas para o outro. Ambos indicaram suas equipes de transição. O país lucra, a população aprende, a democracia é a grande vitoriosa.

Lula precisa, agora, capitalizar bem esse momento de mobilização e expectativas, porque vai precisar muito dele para se manter politicamente forte e enfrentar a dureza da realidade econômica: Orçamento apertado, capitais internacionais retraídos, enormes demandas sociais reprimidas.

O início de um governo é um marco, tem simbologia, aponta rumos, expõe quem é quem. Nisso, Lula não pode errar. Não pode, por exemplo, dar a primeira, a segunda e a terceira entrevistas exclusivas para um único órgão de imprensa. E justamente para a temida Rede Globo.

É verdade que a poderosa Globo teve um comportamento inédito durante a campanha e que é o principal canal com a opinião pública. Mas Lula não precisa exagerar. Para não passar a imagem de estar pagando a conta da campanha ou de estar pagando pedágio para a boa vontade ao longo do governo.

Principalmente quando, no meio de toda essa inesquecível festa nacional, a Globopar (do grupo Globo) decreta moratória de suas dívidas. Olha o BNDES aí! Logo logo Lula será o "chefão" do BNDES, que, entre outras coisas, socorre empresas falidas.

Teoricamente, Lula tem "dívidas de campanha" com todos os que não sendo do PT apoiaram sua candidatura: o PL, principalmente, mas também os Sarney, ACM, parte do PMDB, setores do empresariado, até um grupo de banqueiros.

Se ele decide "pagar" a dívida como se suspeita (justa ou injustamente) que esteja fazendo com a Globo, a coisa não começa bem. A lista do que fazer é imensa, e começar justamente assim é complicado. E tem muita gente de olho, para detectar e cobrar. Dá para um, todos os demais querem em dobro. Tudo o que o governo Lula não precisa é de mais pressão e cobrança do que naturalmente já vem por aí. Principalmente antes mesmo de se instalar.

Inclusive para não estragar a festa.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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