Pensata

Eliane Cantanhêde

19/03/2003

A que veio

A sensação até agora é de que o governo Lula confirma a velha desconfiança nacional de que a esquerda é boa de gogó, mas não é tão boa ao botar a mão na massa e executar.

A área econômica, como a gente não se cansa de escrever, está solidamente plantada nos alicerces da era FHC. E o que se poderia esperar de novidade ainda não aconteceu: programas consistentes, modernos e inovadores na área social.

O que se assiste é todo mundo batendo cabeça. Até hoje, mais de dois meses e meio depois da posse, há ministérios sem estrutura concluída, sem equipe montada e _o que é pior!_ sem saber o que fazer e para onde ir.

As críticas todas recaem sobre o programa Fome Zero e o seu respectivo ministro, José Graziano, que viraram o saco-de-pancada mais atraente. Mas ele é apenas a ponta mais visível da confusão instalada na Esplanada dos Ministérios, hoje repleta de gente bem intencionada e vazia de programas concretos.

O que faz o novo Ministério das Cidades? Cuida da educação, da saúde, dos transportes e dos programas assistenciais das áreas metropolitanas? Então, o que fazem os ministérios da Educação, da Saúde e de Assistência Social nessas áreas?

E o "Ministério da Benedita", como vem sendo chamado o Ministério de Promoção e Assistência Social? Diz-se, sem provar, que vai coordenar os demais, ou seja, dar ordem à bagunça. Mas como? Os ministérios da Educação, da Saúde, das Cidades etc. já cuidam de toda essa parte assistencialista. Têm o Bolsa-Escola, o Bolsa-Alimentação e o Bolsa-Renda. E o Fome Zero é o Fome Zero, fortemente assistencialista.

Então, o que Lula precisa urgentemente não é apenas nomear um gerente para o Fome Zero, mas um gerentão para o próprio governo. Alguém que tenha poderes e perfil para administrar interesses conflitantes, programas que esbarram, egos que trombam, tudo num cenário de problemas dramáticos e movido a orçamentos apertados.

As notícias na economia vão bem, com dólar e risco-Brasil caindo e _se a guerra do Iraque deixar_ alguma perspectiva de baixar os juros logo adiante. Mas o governo Lula não pode ser apenas isso, seguindo a cartilha do antecessor que os petistas tanto queriam mudar. Tem que ser muito mais. Um bom começo é fazer com que todos esses pedaços virem um todo, passando a idéia de que a coisa funciona. E que, além de esculhambar os outros, a esquerda também é capaz de governar, e bem.

Os grandes desafios continuam sendo, além da moralidade pública, cada vez mais fundamental, a retomada do crescimento e do emprego e a redistribuição de renda. Parece muito? Mas é o mínimo.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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