Pensata

Eliane Cantanhêde

09/04/2003

Lula no palanque

Até nisso os governos são parecidos: o melhor marqueteiro do governo FHC era o próprio FHC, e o melhor do governo Lula é o próprio Lula. Imbatíveis.

Para comemorar os seus primeiros cem dias na Presidência, Lula foi à televisão três dias antes (na segunda, 7/4) para fazer o que ele faz de melhor: "conversar" com o povo brasileiro.

Apesar de excessivamente longo, seu pronunciamento recuperou o palanqueiro que há em Lula, olhando diretamente para a câmera (ou para o telespectador), expondo as dificuldades para tomar decisões e justificando as "medidas amargas", como aumento de juros e de superávit primário.

Lavou a alma, possivelmente, de milhões de eleitores um tanto desconfortáveis com a insistente versão de que Lula era um na campanha e está se tornando outro na Presidência. Em política, ou em sensações coletivas, de massa, as pessoas em geral ouvem o que querem ouvir. E acreditam piamente nos seus líderes. Em Lula, por exemplo.

Item por item, o presidente explicou o salário mínimo de R 240, que é mínimo mesmo, admitiu os "tropeços" na área social e já foi aplainando caminho para o que vem por aí: a reforma tributária, que mexe com os interesses de governadores e prefeitos, e a da Previdência, que remexe interesses _e os tais "direitos adquiridos"_ de amplas parcelas da população que se engajaram na campanha do PT. Os servidores públicos, em geral, e militares, juízes e assemelhados, em particular.

Não é missão fácil. Para aprovar as duas reformas no Congresso, Lula e seu governo vão precisar de muito apoio popular, mas muito mesmo. Para isso, todos os que não são servidores públicos vão ter que ser convencidos. De que, por exemplo, a idéia não é massacrar "velhinhos desvalidos" (como se dizia quando FHC tentou fazer a reforma), mas sim os novinhos espertos, que querem continuar se aposentando aos 45 anos de idade e com salário integral dos últimos anos. Não dá.

Enfim, o que acontecia no governo FHC deve se repetir agora com mais ênfase no atual: mesmo que a popularidade do governo caia (o que é natural, porque administrar desgasta), a popularidade de Lula deve continuar muito alta, ele chefiando mais ou menos, metendo a mão na massa ou não. Mais do que o PT e o governo, ele é a esperança.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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