Alcino Leite Neto
12/04/2004
A virgindade também perdeu sua força como instrumento privado de poder da mulher, que no passado se valia de sua condição de intocada para se distinguir como parceira socialmente legítima, estimular a ansiedade sexual de seu pretendente e garantir assim o casamento. Poucos são os rapazes que se importam atualmente com o fator "virgindade", mesmo na hora das núpcias, muito embora, por razões talvez míticas ou naturais, a oportunidade do defloramento, caso ocorra, é para eles marcada por uma satisfação sexual redobrada e um certo sentimento de superioridade.
Apesar de tudo isso, não se pode dizer que a virgindade tenha caído totalmente em desuso em nossa época. O fundamentalismo religioso cristão, agora em pleno reflorescimento, vem incentivando a volta do tabu, como ocorre nos EUA, onde se espalhou desde alguns anos uma campanha para que jovens de ambos os sexos resguardassem sua castidade até o casamento. A virgindade, além disso, permanece uma das ofertas valiosas no comércio sexual _hoje mais ainda, por sua raridade. Meninas pobres têm sido, por isso mesmo, empurradas cada vez mais cedo para o mercado do sexo pelas redes de pedofilia, a fim de atenderem à demanda obsessiva por virgens. De quando em quando, redes desse tipo são desbaratadas no Brasil, e descobre-se como a prática patriarcal do defloramento ainda vigora no país, utilizando agora os recursos do crime organizado.
A virgindade também voltou a ser há pouco assunto de debates na Grã-Bretanha, depois que uma jovem de 18 anos resolveu colocar em leilão a sua própria, a pretexto de arrecadar dinheiro para completar os estudos universitários. Assim Rosie Reid anunciou a sua proposta no site de leilões eBay: "Estudante universitária de 18 anos quer vender a sua virgindade. Não a perdeu porque é lésbica. Responderá se a oferta for boa. Fotografia disponível". Em fevereiro, depois de ter recebido mais de 2.000 ofertas, Rosie fechou o leilão e anunciou que havia acertado a venda de seu precioso bem por 8.400 libras (cerca de R$ 44 mil). A identidade do ganhador foi mantida em sigilo.
Em março, aconteceu o defloramento de Rosie, num quarto de hotel. "Foi horrível. Estava nervosa e assustada, e era obrigada a agradá-lo, já que ele havia pago por isso", descreveu a garota, que não gosta de homens. Sua namorada ficou aguardando no quarto ao lado. Os tablóides ingleses se esbaldaram com a história, tendo um deles descoberto que o comprador da virgindade fôra um engenheiro de 44 anos, divorciado, pai de duas filhas. Contam os jornais que Rosie passou o dia seguinte à transa chorando nos braços da namorada.
O caso dessa inglesa não passaria de um esquisito episódio de prostituição, não fosse este elemento extraordinário para uma época em que as meninas iniciam a vida sexual voluntariamente na puberdade: o que estava à venda não era uma noite de sexo qualquer, mas a possibilidade de deflorar uma mulher que conseguira permanecer virgem até os 18 anos! O fait-divers protagonizado por Rosie narra como uma garota banal reativou o mito da virgem no imaginário coletivo inglês, quando se julgava que ele havia sido superado pela história e pelos costumes. E como essa garota conseguiu, também, revitalizar o combalido valor da virgindade, ao demonstrar com seu plano não os méritos morais ou religiosos, mas as vantagens econômicas que se pode obter hoje em dia resguardando o hímen intacto por tanto tempo.
Eis um formidável e patético conto contemporâneo, à espera de um Maupassant da era do capitalismo-cassino.
A virgindade de Rosie foi a leilão
A virgindade feminina perdeu há tempos muito do sentido religioso que a sustentava e deixou de ser um dos modos dominantes de controle masculino sobre a mulher. Hoje, na maioria das vezes, o momento de abandonar a virgindade é escolhido pelas garotas com a mesma sem-cerimônia com que elas marcam a data de colocar aparelho nos dentes. Nas conversas entre mulheres, aliás, a jovem que ainda é virgem tende a passar por exótica e se tornar objeto de galhofas.A virgindade também perdeu sua força como instrumento privado de poder da mulher, que no passado se valia de sua condição de intocada para se distinguir como parceira socialmente legítima, estimular a ansiedade sexual de seu pretendente e garantir assim o casamento. Poucos são os rapazes que se importam atualmente com o fator "virgindade", mesmo na hora das núpcias, muito embora, por razões talvez míticas ou naturais, a oportunidade do defloramento, caso ocorra, é para eles marcada por uma satisfação sexual redobrada e um certo sentimento de superioridade.
Apesar de tudo isso, não se pode dizer que a virgindade tenha caído totalmente em desuso em nossa época. O fundamentalismo religioso cristão, agora em pleno reflorescimento, vem incentivando a volta do tabu, como ocorre nos EUA, onde se espalhou desde alguns anos uma campanha para que jovens de ambos os sexos resguardassem sua castidade até o casamento. A virgindade, além disso, permanece uma das ofertas valiosas no comércio sexual _hoje mais ainda, por sua raridade. Meninas pobres têm sido, por isso mesmo, empurradas cada vez mais cedo para o mercado do sexo pelas redes de pedofilia, a fim de atenderem à demanda obsessiva por virgens. De quando em quando, redes desse tipo são desbaratadas no Brasil, e descobre-se como a prática patriarcal do defloramento ainda vigora no país, utilizando agora os recursos do crime organizado.
A virgindade também voltou a ser há pouco assunto de debates na Grã-Bretanha, depois que uma jovem de 18 anos resolveu colocar em leilão a sua própria, a pretexto de arrecadar dinheiro para completar os estudos universitários. Assim Rosie Reid anunciou a sua proposta no site de leilões eBay: "Estudante universitária de 18 anos quer vender a sua virgindade. Não a perdeu porque é lésbica. Responderá se a oferta for boa. Fotografia disponível". Em fevereiro, depois de ter recebido mais de 2.000 ofertas, Rosie fechou o leilão e anunciou que havia acertado a venda de seu precioso bem por 8.400 libras (cerca de R$ 44 mil). A identidade do ganhador foi mantida em sigilo.
Em março, aconteceu o defloramento de Rosie, num quarto de hotel. "Foi horrível. Estava nervosa e assustada, e era obrigada a agradá-lo, já que ele havia pago por isso", descreveu a garota, que não gosta de homens. Sua namorada ficou aguardando no quarto ao lado. Os tablóides ingleses se esbaldaram com a história, tendo um deles descoberto que o comprador da virgindade fôra um engenheiro de 44 anos, divorciado, pai de duas filhas. Contam os jornais que Rosie passou o dia seguinte à transa chorando nos braços da namorada.
O caso dessa inglesa não passaria de um esquisito episódio de prostituição, não fosse este elemento extraordinário para uma época em que as meninas iniciam a vida sexual voluntariamente na puberdade: o que estava à venda não era uma noite de sexo qualquer, mas a possibilidade de deflorar uma mulher que conseguira permanecer virgem até os 18 anos! O fait-divers protagonizado por Rosie narra como uma garota banal reativou o mito da virgem no imaginário coletivo inglês, quando se julgava que ele havia sido superado pela história e pelos costumes. E como essa garota conseguiu, também, revitalizar o combalido valor da virgindade, ao demonstrar com seu plano não os méritos morais ou religiosos, mas as vantagens econômicas que se pode obter hoje em dia resguardando o hímen intacto por tanto tempo.
Eis um formidável e patético conto contemporâneo, à espera de um Maupassant da era do capitalismo-cassino.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas. E-mail: aleite@folhasp.com.br |