Pensata

Alcino Leite Neto

16/01/2005

Acendam as luzes do Masp!

O prédio do Masp --um interessante projeto da arquiteta Lina Bo Bardi-- é composto de dois andares e dois subsolos. No segundo andar, fica o acervo notável do museu. No primeiro, ocorrem exposições temporárias.

No primeiro subsolo, há um cinema e espaços para atividades educativas. E no segundo subsolo está sendo realizada a mostra "As 100 Maravilhas do Masp", com um dos tesouros do museu: o seu conjunto de pinturas do período impressionista e pré-moderno.

Devo dizer que nada tenho contra subsolos. Mas me incomoda um pouco o fato de telas de Cézanne, Van Gogh e outros mestres do século 19 estarem num lugar tão recôndido do Masp, ao lado do restaurante, com suas frituras e ruídos, enquanto no primeiro andar do museu ocorre uma exposição de fotos promovida pela Pirelli.

Mas vamos aceitar a inovação. Delacroix e Renoir vão para o "underground", e os fotógrafos da Pirelli sobem para o espaço nobre do primeiro andar.

Mais difícil de engolir é a montagem extravagante da exposição _e que chamam no folheto de "cenografia". Os quadros maravilhosos estão pessimamente iluminados. A decoração, digo, a cenografia achou por bem imergir o ambiente do subsolo numa profundíssima penumbra e iluminar as cem telas com jatos de luz fortes e frontais.

Resultado: de frente, não conseguimos enxergar os quadros, tal o reflexo das luzes nas telas. É preciso ficar sempre de lado, para ver, por exemplo, sem brilhos e reflexos, o "Auto-Retrato (perto do Gólgota)", de Gauguin, ou "A Ponte Japonesa sobre a Lagoa das Ninféias em Giverny", de Monet.

Outras vezes, as luzes projetam sombras das molduras ou dos cavaletes sobre os quadros, criando zonas escuras no topo ou no pé de obras como "A Amazona - Retrato de Marie Lefébvre", de Manet, ou "Renée", de Modigliani. Um absurdo!

Era isso, aliás, o que observava à minha frente um pequeno grupo de turistas canadenses, impressionados ao mesmo tempo com a grandeza do acervo e o ridículo da montagem --que amontou as telas de tal forma que não há espaço para se colocar um banco sequer para os mais velhos descansarem no meio do caminho da mostra.

Em qualquer país civilizado, já se teria feito passeata e manifesto para pedir com urgência: "Acendam as luzes da exposição!".

Acendam as luzes das "100 Maravilhas", encerrando esta decoração ultrakitsch! Que nós possamos ver em todo o seu esplendor "O Escolar", de Van Gogh, e "O Grande Pinheiro", de Cézanne!

Aproveitando: acendam as luzes do Masp inteiro! Que um clarão renove a administração deste museu e ele saia da era das trevas em que está metido há tantos anos.

Retorno

Peço desculpas ao leitor desta Pensata por ter abandonado tão bruscamente a coluna, meses atrás. Resolvi parar de fumar depois de 30 anos e, de repente, não era mais capaz de escrever uma linha sequer.

Só agora, três meses depois de ter dado a última tragada num cigarro, estou conseguindo redigir, com bastante dificuldade, algumas frases que façam sentido.

Conto com a compreensão do leitor se meus artigos chegarem mais duros e sem graça. É longo e difícil o luto da nicotina.

Agradeço a gentileza e o interesse de todos aqueles que me escreveram, indagando sobre o meu silêncio e me convocando para o trabalho.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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