Pensata

Alcino Leite Neto

14/03/2005

Pedestres de São Paulo, uni-vos!

Em comum com a periferia de São Paulo, os Jardins e Higienópolis, bairros de classe média alta, têm a péssima condição de suas calçadas. Mesmo na rua Oscar Freire, onde se concentram algumas das lojas mais sofisticadas do país, o espaço dos pedestres é como um mosaico de pedrugulhos mal ajustados.

Jovens andam com certa desenvoltura entre os buracos e os desníveis, mas não é incomum ver idosos tropeçando e caindo naqueles locais. Ainda mais se se trata de uma subida ou de uma descida, como as da rua Augusta, cujo calçamento deve ser um dos piores da Terra, apesar do IPTU ser dos mais elevados.

Em dias de chuva, descer esta que foi no passado a rua de charme de São Paulo, costuma ser empreitada arriscadíssima. Com frequência é possível ver mulheres elegantes torcerem os saltos dos sapatos nas ruas estropiadas dos Jardins, depois de saltarem do Mercedes, cercadas de segurança. É como se elas, da canela para cima, estivessem em Beverly Hills, e da canela para baixo, em Brasilândia.

Há lojas que tentam melhorar a sua entrada, pois sabem o quanto isso influencia no sucesso do comércio. Mandam então fazer suas calçadas sem se importar com o conjunto da rua, com o passeio do lado e preocupadas apenas com o que julgam ser melhor para si mesmas. Os prédios de apartamentos fazem como as lojas, cuidando de sua frente sem se importar com critérios coletivos.

Neste tópico, os brasileiros ricos e pobres agem da sua maneira tradicional: cada um por si e Deus contra todos. A Prefeitura parece não se importar com nada. Em termos de calçadas, São Paulo ainda vive na época colonial.

Não é apenas com o acabamento das calçadas que sofre o pedestre na cidade. Ele sofre também com a largura dos passeios, em alguns lugares bastante apertados, como na mesma e movimentada rua Augusta.

O pedestre sofre com a histeria e a grosseria dos motoristas, que, tão logo o sinal fica verde para os carros, avançam sobre as pessoas que ainda estão cruzando a faixa. O que leva a esta patética situação, que espanta tanto os estrangeiros: gente que sai correndo de repente, no meio da rua, como galinhas assustadas.

O pedestre sofre ainda com cruzamentos sem sinalização, com passagens precárias e perigosas, com lojas e bares que avançam seus móveis e estacionamentos sobre os passeios, com pontos de ônibus mal situados...

É possível citar um bom número de desconfortos por que passa o sujeito que anda a pé em uma cidade como São Paulo. Por força do hábito, este sujeito não percebe como as ruas são precárias, como ele é prejudicado cotidianamente em seu caminho.

As calçadas em São Paulo espelham a falta de respeito e de cultura. Elas humilham o pedestre, apequenam o cidadão. Elas exibem a indiferença dos políticos, a gula predatória do dinheiro e a passividade bovina da população.

Uma boa calçada é uma conquista social. Por isso, é caso para uma revolta coletiva este absurdo projeto da Prefeitura de São Paulo de destruir certos calçadões longos e agradáveis do centro da cidade a fim de dar passagem aos carros. Contra essa idéia imbecil, pedestres de toda a cidade, uni-vos!
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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