Pensata

Alcino Leite Neto

09/08/2002

Duas histórias da imigração

A cada mês chegam à França cerca de mil kurdos. Todos eles reivindicam asilo político. O país de onde provêm, o Kurdistão, não existe. O que há é uma região kurda autônoma, no norte do Iraque, com 42 mil km² e 3,7 milhões de habitantes, assegurada pela ONU contra a dominação iraquiana. O resto do que seria o país está espalhado em fronteiras da Turquia, do Irã, da Síria e sobretudo do Iraque. O Kurdistão é um povo, antes de ser um país.

Mehmet Ilker, 48, é kurdo. Ele imigrou para a França em 1980. "Foi duro, deixar a família, atravessar as montanhas, as alfândegas, dormir no relento", conta. A sua história é parecida com a de outros imigrantes, que em 1998 eram 800 mil em toda a Europa.

Muitos chegam sem dinheiro e sem ter onde morar. Vão dormir em quartos emprestados, no metrô, na Cruz Vermelha ou na rua. Outros vão para a casa de parentes, esperando todos que seu pedido de asilo político seja aprovado.

Não falam a língua da França, não têm especialização para trabalhar. Aceitam qualquer função. "Há muito trabalho clandestino, que o kurdo não gosta de fazer, porque quer respeitar a lei, mas ele não tem opção. É o patrão francês quem sai ganhando, porque sai mais barato", diz. Eles fazem um pouco de tudo e ganham clandestinamente cerca de 30 euros (R$ 90) por dia, segundo Ilker. Um talão com dez tickets de metrô custa 9,30 euros.

Para Iker, os franceses mudaram muito desde 1980. "Naquela época, o partido dos racistas, a Frente Nacional, não tinha muitos eleitores. Hoje tem 16%. Eles são fanáticos. Se sabem que é imigrante, não falam com você."

Ilker diz que está integrado à França porque respeita as leis do país. Ele se irrita ao ouvir falar em políticas de imigração. "No Kurdistão há uma guerra de mais de 15 anos, as pessoas não têm trabalho nem comida. Para mim, a solução não é fechar as fronteiras, é ajudar os países pobres", afirma.

"Nós, os imigrantes, somos a bola do pingue-pongue. A gente é refém tanto no país de onde saiu quanto naquele para onde veio", diz Jamel Boussoffara, 52, originário da Tunísia.

Ele vive em Paris há 27 anos. Há cerca de 200 mil tunisianos na França, segundo dados de 1998. Devido à proximidade com a Europa, a tentação do exílio é enorme. Redes ilegais cobram 800 euros (cerca de R$ 2.400) para desembarcar um clandestino na França ou Itália, outro dos destinos favoritos.

Os tunisianos, como todos os outros imigrantes, vêm para a França em busca de uma vida melhor. "Mas não é fácil encontrar emprego. Na lei, o racismo não existe, mas no cotidiano, sim", diz Boussoffara.

Eis dois breves relatos da imigração na França, onde há 1,6 milhão de estrangeiros ativos. Novas leis do governo Jacques Chirac (centro-direita) querem conter o fluxo ilegal de imigrantes para o país. Mas há setores inteiros da economia do país que são ocupados por imigrantes _em geral trabalhos que os próprios franceses não querem mais realizar, por serem pesados ou mal pagos. É notória, por exemplo, a quantidade de negros ou árabes na construção civil e nas cozinhas dos restaurantes na França.

A imigração em geral não responde a apenas uma necessidade, mas ao menos duas. Para os imigrantes, significa escapar da pobreza dos seus países de origem. Para os países ricos que os recebem, ela implica na obtenção de uma nova mão-de-obra barata, necessária à infraestrutura econômica do país.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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