Pensata

Alcino Leite Neto

06/09/2002

11 filmes para o 11 de Setembro

O 11 de Setembro, o dia trágico do ataque aos Estados Unidos, é tema de um filme de longa-metragem realizado por 11 diretores de todo o mundo. Cada um deles conta uma história curta relacionada à data em "11'09''01", produzido pelo francês Alain Brigand. O filme foi exibido na 59a. Mostra de Cinema de Veneza, que começou no dia 29 de agosto e termina no próximo domingo, dia 8.

Participaram de "11'09''01" os diretores Samira Makhamalbaf (Irã), Claude Lelouch (França), Youssef Chahine (Egito), Danis Tanovic (Bósnia), Idrissa Ouedraogo (Burkina Faso), Ken Loach (Reino Unido), Alejandro González Iñárritu (México), Amos Gitai (Israel), Mira Nair (Índia), Sean Penn (EUA) e Shohei Imamura (Japão).

Essa é também a ordem de exibição dos episódios. Os diretores receberam, cada um, 400 mil euros (cerca de R 1,2 milhão) para realizarem o que quisessem. Uma cláusula do contrato previa que não poderiam comunicar aos demais realizadores o que estavam pretendendo fazer. A história teria que abordar a data crucial, direta ou indiretamente, e cada episódio deveria ter a duração de 11 minutos e 9 segundos.

O filme da iraniana Samira Makhamalbaf é o mais acabado de todos os episódios, em todos os sentidos, cinematográfico, político e moral. Conheça a seguir a história e o conteúdo de cada um dos filmes.


Samira Makhamalbaf

Essa diretora, de 22 anos, é filha de Mohsen Makmalbaf, um dos expoentes do novo cinema iraniano. Ela segue a risca o cânone desse cinema, deixando a câmera bastante livre e utilizando atores amadores _no caso, um grupo de crianças. Mas Samira filma muito melhor do que o seu pai. Seu realismo lírico é de uma firmeza impressionante, sem derramamentos e de grande objetividade.

O seu episódio mostra uma vila miserável no Irã, onde refugiados afegãos, entre elas muitas crianças, trabalham na confecção de tijolos. Chega a professora para dar aulas. É difícil convencer as crianças a largarem o trabalho. Por fim elas são reunidas num corredor aberto, onde sentam-se no chão, diante de um quadro negro precário, praticamente sem cadernos nem lápis.

A professora diz às crianças que uma coisa muito importante aconteceu no mundo. Pergunta a elas se sabem o que foi. Uma menina responde que dois homens caíram num poço ontem e um deles morreu. Outra diz que sua tia foi apedrejada no Afeganistão pelos talebans, até a morte.

A professora explica que duas torres foram destruídas nos Estados Unidos. As crianças não sabem bem o que é uma torre. Ela aponta para fora, para uma chaminé feita de tijolos. Ela pergunta se sabem quem destruiu a torre. Uma das crianças diz que foi Deus. Outra retruca que Deus não destrói as coisas, mas apenas os homens, que são parte de sua criação. De súbito, uma discussão teológica explode entre crianças de 5, 6 anos, com absoluta naturalidade. É extraordinário, de cair o queixo.

O filme de Samira é um filme teológico e político. Sem dizer uma palavra, ela mostra a repercussão de um ataque ao centro do capitalismo numa província paupérrima nas extremidades do mundo. Coloca em xeque o messianismo religioso dos homens, fazendo crianças inquirirem sobre o desígnio divino. De resto, este filme iraniano é o único da série que dirige uma mensagem explícita de condolências aos EUA, quando a professora pede às crianças que façam um minuto de silêncio pelas vítimas.


Claude Lelouch

No Juízo Final do cinema, quando forem punidos os piores diretores, Claude Lelouch certamente receberá os castigos mais cruéis. O realizador francês é terrivelmente ruim, infeliz em cada passo que dá. O seu episódio, frustrado, é a história de amor entre uma fotógrafa surda-muda e um guia turístico em Nova York. Eles brigam e, na noite anterior ao 11 de Setembro, decidem se separar. No dia fatídico, o guia vai levar turistas ao World Trade Center. A fotógrafa, antes de abandonar o amante, decide escrever a ele uma carta.

Senta-se à mesa, com a televisão ligada em outra parte da casa, e, sendo surda-muda, não vê nem ouve as notícias da destruição das torres. De repente, chega o namorado, coberto da poeira da destruição do World Trade Center. Os dois se abraçam, redimidos.

O filme é um desastre. Tudo é falso, e o conjunto chega a ser desonesto do ponto de vista moral, ao sobrepor um pequeno e irrelevante drama doméstico ao acontecimento, com enorme indiferença pela tragédia coletiva e política. Uma típica e medíocre reação pequeno-burguesa.


Youssef Chahine

Chahine é o mais importante diretor egípcio. Seu filme é o mais polêmico de todos os episódios de "11'09''01". Um diretor de cinema, que se chama também Chahine, conversa com o fantasma de um marinheiro americano, morto num atentado em Beirute.

O diretor explica a ele porque existem atentados contra alvos americanos. Enumera as operações dos EUA e suas vítimas em várias partes do mundo. Leva o marinheiro à casa de um kamikaze palestino, onde ele assiste toda a preparação de um ataque à bomba.

O fantasma pergunta por que atacam civis. O diretor responde que EUA e Israel são países democráticos e os cidadãos não são inocentes: são responsáveis pelos governos que elegem. O episódio é uma metralhadora giratória, com o intuito de mostrar que o 11 de Setembro está totalmente relacionado à crise na Palestina. Por fim, Chahine faz uma homenagem aos soldados americanos mortos, levando o seu diretor a um cemitério militar nos EUA. É um filme de idéias e provocação. Chahine tem o que dizer, não perde tempo e diz abertamente.


Danis Tanovic

O diretor evoca a Guerra da Bósnia para falar do 11 de Setembro. Uma mulher vai até Srebenica para participar de uma manifestação de viúvas da guerra. Ao chegar, todos estão ouvindo as notícias do ataque aos Estados Unidos. A manifestação foi cancelada. Ela insiste que deva ser realizada e sai sozinha em praça pública. As outras mulheres, por fim, a acompanham.

O episódio é limitado, do ponto de vista cinematográfico, narrativo e político, como a dizer: não importa o que ocorreu na América, me interessa o que devo fazer aqui. A indiferença pelo drama americano é total. Convenhamos, é uma atitude mesquinha e sem generosidade. E, para piorar, num filme convencional e aborrecido.


Idrissa Ouedraogo

O diretor de Burkina Faso fez o segundo melhor episódio de "11'09''01", depois do de Samira Makmalbaf. Seu filme é uma fábula deliciosa sobre alguns meninos que avistam Ben Laden em seu povoado e resolvem capturá-lo para receber a recompensa de milhões e milhões de dólares. Numa cena decisiva, as crianças enumeram o que podem fazer com esse dinheiro: não apenas comprar remédios para a mãe de um deles, mas melhorar a vida do país inteiro.

É um filme delicado, filmado com grande leveza e perspicácia crítica, abordando a miséria africana por um viés que não é nem ideológico nem preconceituoso. Fora isso, é o único que conseguiu narrar uma história original e interessante, com começo, meio e fim.


Ken Loach

Aplaudidíssimo na seção para a imprensa, o episódio do diretor britânico coloca em cena um chileno exilado na Inglaterra que recorda outro 11 de Setembro: o do ano de 1973. A data foi o auge do golpe de Estado contra o presidente Salvador Allende, eleito democraticamente e derrubado militarmente.

Loach conta, no pouco tempo que tem, toda a história do golpe, utilizando muita imagem de arquivo. Denuncia a participação americana na ação, fazendo um retrato desprezível do então secretário de Estado Henry Kissinger. Didatizante e engajado, o filme tenta demonstrar para a platéia como os Estados Unidos fecharam os olhos ao assassinato de 30 mil pessoas no Chile pelo regime militar.

É também um filme sobre o exílio, de grande força emocional, no melhor estilo do realismo documental de Loach.


Alejandro Gonzáles Iñarritu

O filme do jovem diretor mexicano é uma bobagem completa, com ares de experimentalismo. Ele deixa a tela escura e sem imagens a maior parte do tempo, trabalhando sobretudo a banda sonora do filme, com notícias de televisão e rádio de todo o mundo sobre o 11 de Setembro. De quando em quando, a tela se ilumina para mostrar cenas de corpos caindo do World Trade Center.

Pretendendo criticar a exploração feita pela mídia das imagens da tragédia, Iñarritu faz pior: chega a ser obsceno, de tal forma insiste, ainda que por breves momentos, em reproduzir os corpos em queda. É um filme pretensioso e terrivelmente imoral.


Amos Gita

O grande diretor israelense mostra a movimentação de policiais, médicos e jornalistas depois de um atentado kamikaze numa rua em Jerusalém, um pouco antes dos ataques em Nova York e Washington. Seu objetivo é contrapor o terrorismo político ao terror exercido pelas mídias sobre os eventos.

Uma apresentadora de TV, "prima dona" do noticiário, chega ao local e insiste em perturbar o salvamento com sua ansiedade jornalística. De repente, percebe que foi tirada do ar. Reclama, esperneia. Na emissora, tentam explicar a ela que houve um ataque aos EUA. Narcisista, obsessiva, ela não consegue ouvir nem entender o que está acontecendo fora dali.

Tudo é filmado em longos e excelentes planos sequências, praticamente sem cortes. O filme de Gitai é de uma sutileza e de uma agudez crítica únicas entre os episódios. No subtexto, ele funciona mesmo como um ataque ao conservadorismo israelense.


Mira Nair

A diretora indiana é a única que filma diretamente em Nova York e sai às ruas da cidade. Conta a história de uma família de paquistaneses muçulmanos, imigrantes, já bastante incorporada à vida americana, cujo filho desaparece no dia dos atentados. O FBI começa a procurá-lo com suspeitas de que seja um terrorista. A mãe tenta provar o contrário: "Meu filho é um cidadão americano", diz ela. Por fim, descobre-se que o rapaz estava entre as vítimas do World Trade Center.

É uma história simplista, narrada convencionalmente, que tem no entanto o mérito de abordar o problema da discriminação que atingiu os imigrantes de credo muçulmano nos EUA _e ainda atinge.



Sean Penn

O episódio de Sean Penn não é ruim, tem mesmo suas qualidades, mas decepciona os espectadores que esperavam que justamente o diretor americano escolhido para o filme apresentasse algo de grande fôlego.

Penn mostra um policial aposentado que mora num apartamento precário ao lado das Torres Gêmeas e vive cotidianamente uma dolorosa e inescapável saudade de sua mulher, já morta. Na manhã de 11 de Setembro, acorda com o sol banhando o seu rosto. A TV está ligada, mostrando o ataque ao World Trade Center, mas ele não nota o que está acontecendo: só tem olhos para as flores num vaso, plantadas por sua mulher e que, por milagre, floresceram naquele dia.

O filme de Penn evita, talvez sabiamente, uma abordagem direta do assunto 11 de Setembro, mas se perde ao mesmo tempo num lirismo redentor de pouca objetividade. A melhor coisa do episódio é a performance sensacional de Ernest Borgnine.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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