Pensata

Alcino Leite Neto

13/09/2002

A Europa no pós-11 de setembro - Uma entrevista com Pascal Boniface

A comemoração do 11 de Setembro foi pretexto, na França, para o lançamento de uma série de livros que analisam as consequências políticas, sociais e culturais, no plano internacional, dos ataques em 2001 contra os Estados Unidos. Entre esses livros, destaca-se "O 11 de Setembro" (Le 11 Septembre, Presses Universitaires de France), coordenado pelo cientista político Pascal Boniface.

Boniface é um dos mais respeitados e solicitados analistas políticos na França. Ele é diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, administrador do Instituto de Altos Estudos sobre Defesa Nacional e membro do Conselho Consultor para Questões de Desarmamento da ONU.

Além de "O 11 de Setembro", coordenou também "O Ano Estratégico 2002" (L'Année Stratégique 2002), um balanço das transformações geopolíticas depois da destruição do World Trade Center. Boniface é autor, ainda, de "As Lições de 11 de Setembro" (Les Leçons du 11 Septembre), publicado no ano passado e um sucesso nas livrarias francesas.

Na entrevista a seguir, feita em Paris, Boniface fala sobre as complicadas relações entre os Estados Unidos e a Europa no pós-11 de setembro. Segundo ele, embora exista concordância entre essas duas forças geopolíticas a respeito da conceituação de terrorismo, elas divergem sobre os modos de combatê-lo. "Os EUA privilegiam os meios militares. A Europa, os meios políticos", diz.

Para Boniface, apenas a Europa pode hoje realizar "políticas alternativas" ao unilateralismo americano.

***

O sr. acredita que o apoio dado pela Europa aos EUA, logo após os atentados em solo americano, permanecem tão fortes quanto foram naquela época?
Pascal Boniface:
O apoio da Europa foi total, mas não incondicional. Se os Estados Unidos quisessem, por exemplo, bombardear maciçamente o Afeganistão ou levar uma guerra geral contra o mundo muçulmano, a Europa não teria acompanhado. O apoio foi forte no imediato pós-11 de setembro porque àquela época a política americana parecia correta. Dois meses depois, contudo, pareceu aos diferentes países europeus que os Estados Unidos voltava a uma política unilateral. Então, o apoio europeu ficou menos forte. Há hoje uma forte diferença de atitude dos países europeus quanto à política americana. Por exemplo, em relação ao Iraque. A França e a Alemanha são reticentes quanto a se lançar uma guerra contra o Iraque.

A visão de que os EUA mantêm uma política unilateral é um consenso na Europa ou é uma visão particular da França?
Boniface:
Talvez não seja compartilhada pela Itália e um pouco pela Espanha. Digamos que, antes, a França estava isolada nas suas críticas, mas hoje é muito mais a Itália que está isolada na sua aprovação total da política americana.

O sr. acha que a Europa exerce um papel de equilíbrio em relação à política americana?
Boniface:
Menos do que ela gostaria, mas mais do que aceitariam uma grande parte dos americanos. Não se pode dizer que a Europa seja igual aos EUA. Ela é menos potente, não tem a capacidade estratégica americana. Mas apenas a Europa pode realizar políticas alternativas em relação aos EUA. Vejo que em numerosas regiões do mundo, como nos países árabes, na Rússia e mesmo na América Latina, há um desejo de Europa. Há uma vontade de que a Europa se afirme mais, justamente para equilibrar as forças americanas. Eles estimam que a Europa pode conduzir a um quadro político multilateral, em que serão respeitados mais os diferentes estados.

Há diferenças entre a visão do terrorismo dos americanos e dos europeus?
Boniface:
Na definição do ato terrorista, há concordância. Ambos condenam os terroristas que atacam de maneira cega a população civil. Também não há divergência entre europeus e americanos que os atentados de 11 de setembro foram terroristas. Há diferenças, porém, quanto às maneiras de combater o terrorismo. Os EUA favorecem os meios militares. Os europeus, os meios políticos. Os dois são necessários. Não se combate o terrorismo apenas com meios políticos, mas a implantação de recursos militares não pode ser a única resposta também. Antes do 11 de setembro, as despesas militares dos EUA eram 37% do total dos demais países do mundo. Mesmo assim, o país foi atacado. Não é aumentando 30% do orçamento militar que se vai combater o terrorismo. É preciso sobretudo procurar soluções políticas nos estados em crise, como, por exemplo, contribuindo no processo de paz no Oriente Médio e na reconstrução do Afeganistão.

A Europa adotou de fato a guerra contra o terrorismo defendida e empreendida pelos Estados Unidos?
Boniface:
Ela faz o máximo contra o terrorismo, sobretudo na ordem jurídica e financeira, lutando por exemplo contra as fontes de financiamento. Franceses, britânicos e alemães também trouxeram elementos de informação dos quais os serviços americanos não dispunham, porque há provavelmente um maior conhecimento da questão islâmica na Europa do que nos EUA. Em termos de informação e de análise, os europeus trouxeram uma contribuição essencial a essa luta.

Por que a Europa reduziu nos últimos anos as suas despesas militares?
Boniface:
Porque a ameaça soviética desapareceu e era isso que justificava essas despesas. É verdade que os países europeus deveriam aumentar um pouco seus meios militares. Eles estão subcapacitados, enquanto os EUA estão supercapacitados. Mas aumentar os meios militares reduzindo a ajuda ao desenvolvimento me parece um erro na luta contra o terrorismo, a longo prazo. A Europa tem contribuído muito mais do que os EUA na ajuda pública ao desenvolvimento.

O papel da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) mudou no pós-11 de setembro?
Boniface:
Atualmente, sim, nos perguntamos para que serve a Otan. O que é paradoxal é que os EUA não utilizaram a Otan na guerra contra o terrorismo. Então, há uma crise da organização, porque se diz que a guerra do terrorismo é mais importante, e os americanos levam essa luta sozinhos, fora da Otan. Há realmente um problema que é saber o que fazer da Otan hoje.

Quais as conclusões de seus livros sobre o panorama geopolítico do mundo depois de 11 de setembro?
Boniface:
A conclusão é que, de fato, o 11 de setembro não foi uma revolução estratégica e que, globalmente, o mundo é, um ano depois, o mesmo um ano que ele era um ano antes. Não se pode comparar o 11 de setembro com a Queda do Muro de Berlim, por exemplo, porque ele não deu origem a um mundo novo. Grosso modo, vivemos no mesmo mundo que conhecíamos antes. Não houve uma mudança fundamental na relação de forças entre as potências, como a que ocorreu em 1945 (fim da Segunda Guerra) ou 1989 (Queda do Muro de Berlim).

Um de seus livros se chama "As Lições de 11 de Setembro". Quais são essas lições?
Boniface:
A principal delas é que, da mesma forma que o isolacionismo não evitou que os EUA fosse atacado em Pearl Harbour, o unilateralismo não está ao abrigo das forças do mundo exterior. A primeira lição a tirar, portanto, é que a face trágica da mundialização faz com que acontecimentos nos lugares mais recônditos do mundo, como no Afeganistão, tenham repercussão no coração do mundo, como em Nova York.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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