Pensata

Alcino Leite Neto

27/09/2002

O PT dos brasileiros e o dos outros

Saber se o PT tem condições de governar o país, se desenvolveu quadros técnicos para ocupar cargos sofisticados, se Lula é um estadista ou não _tudo isso é preocupação apenas dos brasileiros.

No exterior, ninguém está dando a menor bola para essas questões. À França, por exemplo, acorrem os mais exóticos governantes, de todos os cantos do mundo. O presidente do Brasil seria apenas mais um deles. O muito desenvolvido amor próprio do brasileiro, a sensação de habitar uma vastidão territorial que estaria destinada a ser o "país do futuro" nos leva, frequentemente, a exagerar nossa importância no mundo e projetar uma auto-imagem que não corresponde à dimensão que os outros nos atribuem no plano internacional.

É certo que, no dia seguinte às eleições, caso vença Lula, as páginas dos jornais de todo mundo estarão repletas de reportagens do tipo: "O ex-metalúrgico que chegou à Presidência". Mas será simplesmente mais um dos perfis políticos publicados nessas ocasiões. Como me disse um francês: "O que pode haver de original na eleição de um ex-metalúrgico, se os Estados Unidos já elegeram um ex-ator (Ronald Reagan)?".

Para nós, é uma novidade sem par esse fato, ainda mais que, pela primeira vez na história do país, a esquerda pode chegar ao governo no Brasil. Mas para os europeus trata-se apenas de um movimento normal da democracia brasileira, por aqui vista como se estivesse ainda em processo de amadurecimento _pois até agora a governança do país pareceu um revezamento de poder entre os mesmos.

O que os estrangeiros querem saber, o que o capital estrangeiro quer saber, de verdade, é se o próximo governo brasileiro, caso Lula seja eleito, será pró-capitalista ou não, protecionista ou não, se manterá aberto o mercado brasileiro, se continuará controlando a inflação e o déficit público, se decretará a independência do Banco Central, se cumprirá os contratos internacionais e se pagará suas dívidas externas. O resto é um problema dos brasileiros e, no imaginário estrangeiro, é parte das características sociais e culturais que eles nos atribuem _e às quais Lula corresponde suficientemente bem, como imagem e com sua história pessoal.

As preocupações e pressões estrangeiras sobre o Brasil neste momento não se referem às qualidades, aptidões e aparências de um eventual governo do PT, mas aos seus princípios ideológicos _no tópico economia. Aqui, na França, onde o presidente Jacques Chirac diz com todas as letras que é de "direita", onde os socialistas se dizem de "esquerda", onde quem está à esquerda dos socialistas se auto-denomina sem pudores de "extrema esquerda" e onde todos convivem democraticamente _aqui, o PT é qualificado como um partido de extrema esquerda brasileiro, de larga história nos combates sociais e pela democratização do país e que desenvolveu nos últimos anos um discurso moderado.

Mas ainda assim um partido de extrema esquerda, programaticamente não-reformista, nacionalista, e que no entanto está prestes a tomar conta de uma grande economia relativamente aberta, para onde convergem há anos portentosos interesses estrangeiros.

O nervosismo dos investidores internacionais, cuja maioria nunca pôs o pé no Brasil e nos imagina politicamente como uma republiqueta temperamental, provém da suposição de que Lula e seu partido de (extrema) esquerda possam promover em dias uma revolução econômica no país, contra o capital externo. Quando os investidores imploram pela manutenção de Armínio Fraga na presidência do Banco Central não é porque ele seja apenas um celebrado expert, uma autoridade em sua área, mas porque sabem o que ele pensa, o que defende, para onde ele vai etc. _e ele certamente não é de esquerda.

Os investidores continuarão guerreando contra o processo político brasileiro até que recebam sinais de continuísmo na política econômica. O PT não poderá manter a política econômica intacta, pois isso entra em contradição com os princípios programáticos e a luta histórica do partido. A solução que o PT dará a esse problema dificílimo, sem desfigurar a si próprio, é um mistério.

De resto, o antiamericanismo do PT chega a ser mesmo um atrativo, não para os investidores, mas para os governos europeus. É certo que Lula aproveitará dessa inclinação, acentuando os laços do Brasil com a Europa, sobretudo com França, Alemanha e alguns países nórdicos, que devem proteger sobremaneira o governo petista. Na imprensa desses países, são frequentes os comentários sobre a necessidade de o Brasil ter um governo politicamente capaz de promover maior justiça social no país.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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