Pensata

Alcino Leite Neto

10/01/2003

Más notícias para a imprensa européia

O "Financial Times" anda mal das pernas. Uma grave crise financeira está atingindo o principal jornal econômico europeu com a queda da receita publicitária, fenômeno mundial que começou em 2001 e parece não acabar mais. A circulação do diário inglês também caiu 2,2% em relação a 2001.

Com isso, duras decisões internas foram tomadas no "FT". O orçamento de correspondentes foi reduzido. As equipes da redação e da edição na internet foram fundidas "manu militari", segundo o "Le Monde". A publicação de uma revista gratuita de sábado, "The Business", foi suspensa. Comenta-se que o "FT" estaria agora discutindo uma parceria salvadora com o seu maior rival, o diário econômico americano "Wall Street Journal".

Na Alemanha, os jornais vivem a sua pior época em décadas. No conjunto, a venda de pequenos anúncios, que sustenta bastante os cotidianos em todo o mundo, caiu 41% na imprensa alemã neste ano, em relação a 2001. Os jornais estão cortando o número de páginas, demitindo pessoas, suprimindo funções e se reestruturando.

Não é apenas a crise publicitária que incomoda os jornais alemães, mas também o envelhecimento dos seus leitores. "A questão fundamental é a perda de influência dos jornais junto aos jovens", afirmou o especialista em economia de mídias Hermann-Dieter Schroeder.

Na França, o "Le Monde" foi a única boa surpresa de um ano negro para a imprensa. Teve um aumento de 0,5% (sic) em sua tiragem de 2002, em relação a 2001. Com uma circulação média de 400 mil exemplares, a maior do país, o prestigioso cotidiano permanece porém deficitário.

No ano passado, o "Monde" fez uma série de modificações editoriais com o objetivo de tornar o jornal "mais completo, claro e acessível", nas palavras de seu presidente, Jean-Marie Colombani. Essas mudanças devem ter influído no crescimento da circulação, pois o jornal conseguiu atualizar sua linguagem sem prejuízo da excelência jornalística que o caracteriza.

No próximo dia 13 de janeiro, o "Monde" colocará no papel outras alterações. Vai criar uma página de "Tendências", dedicada "à evolução dos meios através dos modos de consumo dos jovens, na França e no exterior", outra página de "Psicologia", que abordará "temas da família, da relação do casal com a sexualidade e das relações pais-filhos", e uma seção nova, "Seniors", para aposentados.

Vai também incrementar suas páginas de turismo, com reportagens que abordam "aventuras humanas" (como expedições a lugares longínquos) e tornará mais funcionais as dicas de viagens, a fim de facilitar a consulta imediata do leitor. Também terá uma agenda dos eventos "imperdíveis" em ciências humanas.

É interessante que o "Monde" _um jornal de centro-esquerda, há décadas o mais respeitado na França, e talvez da Europa, bastante rígido na forma e elevado no conteúdo_, esteja agora correndo riscos (controlados, é certo) e aceitando alterações sazonais em seu modelo como parte da dinâmica do próprio jornalismo impresso. Num mundo que passa por modificações políticas, econômicas, científicas, tecnológicas e psicológicas incalculáveis, o jornal que não se modifica continuamente está condenado à morte.

A notícia bombástica no campo do jornalismo europeu, porém, é a compra da integralidade das ações do "International Herald Tribune" pelo "New York Times". O famoso diário editado em Paris, em inglês, a partir de 1887, era propriedade desde 1966 do "New York Times" e do "Washington Post", que detinham, cada um, 50% das ações.

O "New York Times" pressionou o "Washington Post" a vender sua parte, ameaçando publicar um similar, caso não fechasse negócio. O "Washington Post" cedeu, e desde este mês o "NYT" é o único proprietário do "International Herald Tribune", que tem circulação de 677.346 exemplares, em mais de 20 países, como a Grécia, o Japão, a Itália e Israel, para os quais realiza edições específicas na redação em Paris.

A compra faria parte de um plano estratégico do "New York Times" de se expandir mundialmente. Ao império americano deverá corresponder naturalmente um jornal imperial. Uma edição do "NYT", resumida, circula semanalmente, aos sábados, no "Monde", em inglês.

Os jornais vivem hoje em terreno muito movediço, em que a própria geopolítica da imprensa está passando por fortes mudanças, com a expansão dos conglomerados de mídia.

No início do século 20 havia quase meia centena de jornais editados em Paris, uns independentes dos outros: "Le Figaro", "Le Petit Journal", "La Presse", "La France", "La Liberté", "Le Journal des Voyages", "L'Univers", "Le Jockey", "Le Radical", "L'Aurore", "La Patrie", "Le Siècle", "La République", "L'Intransigeant", "Le Soleil", "La Rue", "Le Cri du Peuple" etc.

Estão quase todos defuntos. O mercado jornalístico francês é dominado por quatro grandes: "Le Monde" (surgido em 1949), "Libération" (de 1973), "Le Figaro" (de 1826) e, curiosamente, o jornal esportivo "L'Equipe" (de 1946), que tem tiragem superior aos dois últimos, beirando os 400 mil exemplares.

Cada um daqueles jornais antepassados atendia a um tipo de leitor diferente, dependendo da classe social, da linha política e dos interesses imediatos. Quando falamos em segmentação do público, esquecemos que isso não é uma particularidade de nossa época.

Hoje, a segmentação atinge fortemente a televisão, que passou por um processo histórico quase inverso ao da imprensa: nasceu com pouquíssimos canais e atualmente têm inúmeros. No jornalismo escrito, a publicações na internet e as revistas tendem a responder aos interesses particulares de pessoas e grupos, enquanto os jornais deverão acentuar sua função de reunir leitores em torno de temas compartilhados e relevantes, em vez de dispersá-los num mundo de informações segmentadas e efêmeras.

Aprofundar sua condição de "espaço público" é um dos grandes desafios dos jornais nos próximos anos. O leitor, imerso no caos das notícias e certo da solidez da palavra impressa, confiará cada vez mais aos diários a tarefa de fazer uma apresentação seletiva e um diagnóstico aprofundado do presente, com os recursos que são próprios ao jornalismo: investigação, questionamento, organização, cultura, opinião e esclarecimento.

Mas o desafio imediato da imprensa escrita será enfrentar a crise econômica. Os custos de publicação, cada vez mais elevados, e a perda de receitas em geral, sobretudo publicitárias, estão no momento tirando o sono dos diretores de redação da Europa e no resto do mundo. A situação vai levar a uma reestruturação das publicações, que já andam reduzindo suas páginas, cortando cadernos e repensando sua linha editorial.

Os jornais ficarão menores _não um pouco menores, mas muito menores. A redução do espaço tende a acentuar os defeitos, não as qualidades dos diários. Aqueles que souberem reduzir-se e modificar-se com sabedoria, resistirão. Para outros, será a catástrofe, depois de ao menos duas décadas de expansão do material jornalístico. As publicações que persistirem em formatos expandidos estarão apenas adiando o problema. A queda pode ser ainda maior. Os jornais precisam de agora em diante aprender a ser menores _e melhores.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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