Pensata

Alcino Leite Neto

31/01/2003

A direita troglodita brasileira precisa se revolucionar

Uma vez que já foi iniciada a modernização da esquerda brasileira, com a chegada de um Lula pragmático e pró-capitalista ao poder, é possível, senão desejável, que a direita também inicie seu processo de reestruturação no país.

A direita no Brasil vive no tempo das cavernas. A maioria de seu quadro político é formada por trogloditas que envergonhariam qualquer país. É gente sem cultura e sem educação, que vive e calcula sua vida como se estivéssemos no Brasil colonial.

É até mesmo uma direita pré-capitalista, feudalizada, além de nepotista, provinciana, fisiologista e medíocre, e portanto arrogante, com a soberba própria da ignorância. É incapaz de imaginar um projeto para o país, pois só lhe interessa a manutenção dos seus quintais e currais. Entre os seus quadros, ainda existem pessoas que serviram como capangas da ditadura militar.

A chamada direita brasileira jamais pensa a si mesma como uma verdadeira força política que tenha um sentido no conjunto das forças sociais, que elabore um programa nacional e atenda a uma necessidade objetiva de uma parte dos brasileiros a ela inclinados. Ela não passa de uma agremiação de indivíduos que se abrigam sob o teto dos partidos para assegurar sua riqueza, seu prestígio e seu mando.

Antes o Brasil era "só direira", era "só autoritário", era "só conservador". Mas as coisas mudaram. E houve forças políticas que evoluíram. O próprio cidadão mudou, como comprovam as eleições. A direita permaneceu intacta. Ela viveu um idílio com o governo FHC, que adiou sua crise anunciada, mas eis que o bonde da história resolveu passar.

A direita praticamente desapareceu no processo da campanha presidencial. Ela foi incapaz de impor um nome de expressão nacional aos brasileiros. A sua única candidata era uma anedota televisiva. Teve a duração de um comercial. A direita achou que o Brasil ainda era "aquele", que por inanição estava sempre do seu lado. Que a campanha seria outro simulacro de democracia. Mas o país estava e está se mexendo. Em breve, será outro país. A direita pode levar décadas para se constituir segundo as exigências contemporâneas do mundo e do Brasil, se ela não se revolucionar logo.

O desprestígio das forças de direita no Brasil é tão grande que não há um intelectual que ouse falar em seu nome, como ocorre na França com o filósofo Luc Ferry, escolhido aliás para o Ministério da Educação do governo de Jacques Chirac. Todos os intelectuais são de esquerda ou de alguma tendência assemelhada. O último intelectual de direita morreu precocemente: José Guilherme Merquior.

Essa questão parece secundária, mas não é. O desprestígio da direita é tão grande que ela não tem mais quadros ideológicos, intelectuais que a ajudem a pensar o presente e o futuro, que a elucidem sobre os processos sociais contemporâneos e a façam entender a democracia no século 21.

Outro dia, um cartaz perto da Sorbonne avisava: "Estudantes de direita, participem da reunião de jovens da UMP" (União por um Movimento Popular, o partido do presidente Jacques Chirac). Um cientista político de universidade brasileira inclinado à direita prefere comer dois lagartos nojentos a participar de alguma reunião do PFL. É humilhante. É degradante. É difamante. O intelectual de direita no Brasil é um reprimido.

O que existe hoje, falando em nome da direita, são alguns loucos varridos que a imprensa promove à condição de ideólogos para simular a variedade de opinião. A imprensa tem até mesmo receio de nomear os políticos com o qualificativo "de direita", como se fosse uma blasfêmia. E os próprios políticos de direita chegam a reclamar quando assim são classificados. Eles preferem ser "de centro", "de situação" ou, agora, "de oposição".

O governo Lula é o primeiro de esquerda no Brasil, descontadas certas pequenas passagens atribuladas. Mas será que podemos dizer que "a direita" esteve no poder durante toda a história republicana? Será que o que esteve no poder nesse período todo foi a "direita" ou uma mixórdia de forças conservadoras que se auto-reproduziam e impediam, inclusive com a força bruta, que houvesse oposição à sua onipotência?

E no entanto, agora, o Brasil foi "para a esquerda". O PT está dando provas de maturação política para governar. Os brasileiros, que já venceram o medo inconsciente da esquerda, deverão amadurecer junto com o partido. E a direita? É provável que, por intrigas da dialética, seja da própria consolidação dessa esquerda que venha a nascer uma força política de direita não-autoritária no Brasil. Mas, antes, é preciso que os próprios trogloditas enfrentem a ignorância que os devora.

INTUIÇÕES E CERTEZAS

Peço ao leitor licença para cometer um pequeno ato de imodéstia. As intuições políticas de meu último comentário nesta "Pensata", "Laboratório Brasil da Nova Esquerda e do Novo Mundo" (24/1/2003), ganharam alguma comprovação com uma matéria do jornal francês "Libération", publicada quatro dias depois. Transcrevo a seguir um trecho do artigo, que se chama "À esquerda, todos se erguem por Lula" (edição de 28/1/2003):

"A esquerda possui seu paraíso na terra. Sob os trópicos, exatamente. O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em outubro, chega hoje a Paris (.). Ele encontrará também François Hollande (Partido Socialista) e Gilles Lemaire (Verdes). Lula tem então seus apóstolos na França, e cada um deles escreve uma versão diferente dos evangelhos, conforme ele seja socialista, comunista ou de esquerda radical. Na falta de poderem se beneficiar de um 'efeito Lula' na paisagem política francesa, os partidos de esquerda tiram ensinamentos diferentes da vitória presidencial do líder do Partido dos Trabalhadores".
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca