Pensata

Alcino Leite Neto

18/05/2003

Americanos em Pompéia

Uma viagem a Pompéia sempre tem algo de educativo. No final de fevereiro, pouco antes da invasão do Iraque, havia levas de estudantes de vários países em excursão pelas ruínas da cidade destruída pelo Vesúvio e pela história.

Para os garotos franceses, a professora explicava com minúcias universitárias a arte do afresco romano. O grupo de japoneses se encantava com os jardins semi-reconstruídos que recordam a opulência e a delícia da vida em Pompéia.

Em uma turma de americanos, dois jovens resolveram filmar a visita em vídeo, como se fosse um telejornal. Um deles segurava a câmera, enquanto o outro fazia as vezes de apresentador. Foi possível ouvir o que ele narrava para a câmera amadora: 'As ruínas de Pompéia mostram que todo império um dia chega ao fim'.

O raciocínio é simplório, mas um pouco menos se supormos que o rapaz talvez pensasse também no Império Americano. Não é tão fácil assim adquirir consciência do declínio provável de sua própria e gloriosa civilização.

Toda grande civilização imperial imagina-se predestinada, intocável, eterna, ilimitada e universal _e está aí o segredo de sua força simbólica, que se irradia por todo canto junto com o poder material. O 11 de Setembro, com os ataques que romperam a couraça dos EUA, injetou na mentalidade americana o veneno da desconfiança em relação a sua própria potência. A guerra do Iraque foi uma (auto) exibição de força, com o objetivo de reconstruir o núcleo narcísico alquebrado.

Estamos no auge da Era Americana e, portanto, no início de seu declínio, que deve se prolongar por vastas décadas. Esbravejar contra os Estados Unidos pode fazer sentido do ponto de vista tático, mas não estratégico. É algo que atende às aflições políticas do momento imediato, mas não responde à lógica da longa história. Ao resto do mundo deveria cumprir um papel melhor que o antiamericanismo, que é o de refletir sobre como administrar nas próximos tempos a comprida e conturbada derrocada do império _com todos os efeitos que ela acarretará à (des) ordem mundial.

Ainda mais que existe uma complexa identidade entre os Estados Unidos, o capitalismo e a democracia moderna _coincidência de elementos que levou Francis Fukuyama a crer que, uma vez iniciada a globalização desses valores, estaríamos atingindo o 'fim da história'.

Debater sobre a crise do Império Americano é ao mesmo tempo sondar alternativas ao capitalismo e submeter ao crivo crítico este quase tabu contemporâneo que é a democracia, tal como ela vai se aclimatando aqui e ali, feito um dispositivo automático que parece servir muito mais à dominação econômica do que à organização política dos povos.

É tal crítica, justamente, que vem se tornando cada vez mais frequente na obra de alguns pensadores europeus. Com certeza, os mais lúcidos dentre eles não estão cogitando em ressuscitar o comunismo, quando atacam o capitalismo. Nem professam autoritarismos e despotismos, quando criticam o 'totalitarismo' do modelo predominante de democracia.

Que racionalidade econômica será a do pós-capitalismo? Que democracia deverá substituir a democracia capitalista? São questões que tentam saltar a muralha do pensamento único e unilateral que nos sufoca. São perguntas que pressupõem que a história é o resultado da ação de homens livres.


OS IMPÉRIOS SÃO COMO GOIABAS


Numa formidável entrevista de 1947, Monteiro Lobato, tradutor do ultraimperialista Rudyard Kipling e talvez o mais americanista dos escritores brasileiros, faz o interessante e saboroso prognóstico que transcrevo a seguir:

"Lobato: Estamos sendo contemporâneos de outro fenômeno histórico de maior importância: a rápida formação do Império Americano, o qual vai substituir o Britânico na missão civilizadora e construtora do mundo.

Pergunta: Mas o surto desse novo império não será uma calamidade?

Lobato:
Por que, meu caro? Por que, se é por meio de impérios que o mundo se civiliza? O Império Romano não foi uma calamidade para o mundo, embora muitas vezes o tenha sido para os povos que lhe sofreram a dominação. E o Império Britânico foi um maravilhoso instrumento civilizador, embora os ingleses, muito naturalmente, cobrassem um alto preço pelo seu trabalho. Quem trabalha de graça?

Pergunta: E agora vem o Império Americano?

Lobato:
Sim, é uma injunção da Fatalidade Histórica. Vem, crescerá, se desenvolverá tremendamente; depois entrará em decadência e morrerá, como está morrendo o britânico. E meus votos são para que o Império Americano tenha a linda morte que está tendo este. (?)

Pergunta: Acha possível então que um império formado com os imensos recursos dos americanos possa chegar ao fim e deixar que surja outro?

Lobato:
Os impérios são como as goiabas: desenvolvem-se já com o germe dos bichinhos dentro; à proporção que crescem, os bichinhos também crescem e se multiplicam, e um dia a goiaba, minada pelos bichinhos, cai e se dissolve no chão".

(Em "Conferências, Artigos e Crônicas", ed. Brasiliense, 1959, págs. 319 e seguintes).
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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