Pensata

Alcino Leite Neto

05/10/2003

Homens e o mercado livre sexual

A vaidade masculina é tema recorrente dos jornais e revistas. Fala-se mesmo de um novo gênero de comportamento: o homem metrossexual --um sujeito metropolitano bastante atento aos cuidados com a aparência.

Segundo a imprensa, o homem está abandonando preconceitos em relação aos tratamentos estéticos e à moda. Passa horas nas academias e também nos salões, fazendo limpeza de pele, massageando os cabelos e o corpo. Encara sem vergonha os cirurgiões plásticos. Está deixando de ter com as vestimentas uma relação unicamente utilitária e teria resolvido trocar o quarda-roupa ao sabor das tendências.

Os artigos enfatizam que esse comportamento nada tem de homossexual. Pelo contrário: ele consolidaria um tipo de macho contemporâneo, que teria resolvido valorizar a si mesmo.

Vistas assim as coisas, parece que o homem não foi vaidoso no passado, ou não o foi suficientemente, o que não é verdade, como sabemos. Os cuidados com o corpo e a aparência dependem de uma sobra de tempo no cotidiano, ou seja, do ócio, o que outrora foi um dote da aristocracia e das classes altas e hoje vai se tornando também de parte da classe média.

Exige também dinheiro, sobretudo no caso da moda, cuja indústria vive exatamente da criação contínua de tendências, que envelhecem subitamente os modelos anteriores. Essa troca de tendências segue hoje um ritmo muito mais frenético do que no passado, quando os estilos de roupas eram criados principalmente pelas elites (e não apenas por profissionais da moda) e um jeito de vestir poderia durar quem sabe várias décadas, o mesmo tempo que prevalecesse na sociedade o gosto de certa geração dessas elites.

Os closets de roupas das classes altas de hoje em dia certamente espantariam os aristocratas do passado. Não pela qualidade dos produtos, apesar de tudo bem inferiores quando comparados à sofisticação dos tecidos e do trabalho de confecção dos antigos, mas pela quantidade de indumentárias que os contemporâneos acumulam.

Mesmo nas classes baixas, a quantidade de roupas acumuladas hoje pelas pessoas é infinitamente maior do que entre os pobres de outrora, que atravessavam toda a sua vida com duas ou três peças banais, se tanto, mais um sapato, usados todos até o limite, quando se estragavam e eram trocados por outros.

Possuindo dinheiro e ócio, o homem sempre foi vaidoso e sempre cuidou muito bem de si, embora à maneira de sua época. Houve tempos, como no século 17 e 18, em que chegou mesmo a usar maquiagem e perucas, como se vê nos filmes e nos quadros dos museus, sem que isso pusesse em questão a sua masculinidade. O exibicionismo e o pavoneamento é também uma característica do macho.

O que há de novo, de fato, na vaidade masculina dos nossos dias é que ela agora atende a uma demanda do "mercado livre sexual", e não apenas à simples necessidade de embelezamento, estilo ou ostentação.

Os homens querem estar em forma porque eles competem muito mais entre si pelo desejo feminino. A mulher, tendo de certo modo se liberado moral e sexualmente do poder masculino (embora menos do poder político e econômico), ela já não se deixa fixar na prisão de um só marido ou um só amante por longo tempo, caso não queira. Nem aceita tanto os constrangimentos e punições sociais e familiares que impediam o sexo ocasional e descompromissado.

Assim, os homens já não se impõem às mulheres por pressões sociais de todo tipo, mas são obrigados a se submeter ao processo seletivo do gosto feminino aberto às circunstâncias.

A autonomia sexual da mulher (hoje parecida à do homem, que sempre pode exercer a sua sem grandes impedimentos), embora facilite o acontecimento da transa, complica os modos de conquista, os homens tendo que estar permanentemente disponíveis em sua melhor forma para ver se conseguem fisgar o desejo feminino não-sujeitável, movido agora sobretudo pela vontade, pelo gosto e pelas demandas psíquicas imponderáveis.

O mercado livre sexual feminiliza o homem, sim, mas não por causa dos produtos que ele usa, de sua adesão à dinâmica da moda ou por seus cuidados com a aparência física. O homem se feminiliza porque ele não pode mais contar apenas com seu poder de macho para selecionar a fêmea que lhe convém: é obrigado a se tornar ele próprio objeto de uma seleção da mulher, num mercado altamente competitivo.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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