Pensata

Alcino Leite Neto

13/10/2003

13 filmes incontornáveis da Mostra de Cinema

A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é um sistema de vias que leva à melhor criação cinematográfica de todas as partes do mundo e ao mesmo tempo um terrível labirinto, no qual é facílimo se perder, caindo nas garras de filmes insignificantes.

São mais de 300 produções de todas as procedências --um conjunto espantoso que pouca gente consegue abarcar na totalidade. O mais comum é cada espectador traçar o seu próprio mapa da Mostra, escolhendo os filmes conforme a sua disponibilidade, a sua intuição, os seus gostos e os comentários que vai lendo na imprensa.

Mas quais são os filmes imprescindíveis, aqueles que nenhum cinéfilo deveria perder?

A seguir, uma lista dos 13 filmes estrangeiros incontornáveis na opinião deste crítico-cinéfilo, e também 13 apostas da Mostra Internacional de São Paulo, que começa no dia 17 e vai até o dia 30 de outubro:

1."A Mansão do Lago", de Lester James Peries - Trata-se de uma adaptação de "O Jardim das Cerejeiras", a peça de Tchecov, feita pelo principal diretor do Sri Lanka, de 84 anos, e um dos grandes autores do cinema oriental. Ver um filme de Peries, quase um desconhecido no Brasil, é uma oportunidade raríssima.

2."Mulheres no Espelho", de Kiju Yoshida - Este importante diretor da Nouvelle Vague japonesa (década de 60), hoje com 72 anos, é um dos homenageados da Mostra, que vai apresentar uma ótima retrospectiva de seus filmes. "Mulheres no Espelho", o seu trabalho mais recente, entrelaça a vida contemporânea no Japão com a memória da destruição de Hiroshima. A mostra também vai exibir seis filmes de Yasujiro Ozu, um dos gênios do cinema japonês, de quem Yoshida foi assistente na juventude.

3."Elefante", de Gus Van Sant - Palma de Ouro em Cannes, em maio, este filme consagrou o diretor americano, há muito tempo o melhor retratista da juventude de seu país, embora muita gente ainda faça vista grossa ao seu cinema. "Gerry", por exemplo, seu excelente filme anterior, até hoje não estreou nas salas brasileiras. Em "Elefante", ele aborda a espinhosa questão dos massacres realizados por estudantes nas escolas americanas.

4."Vai e Vem", de João César Monteiro - Este diretor português, que morreu no início do ano, legou ao cinema alguns dos filmes mais inquietantes e irônicos das últimas décadas. A Mostra fará uma retrospectiva de sua obra, com 10 filmes. "Vai e Vem", seu último trabalho, é a história de um aposentado que passa os dias circulando numa linha de ônibus em Lisboa. Dentre os demais filmes de Monteiro na Mostra, dois são obrigatórios: o perversíssimo "A Comédia de Deus" e "Branca de Neve", em que a tela permanece escura o tempo todo, enquanto uma voz lê um texto do extraordinário escritor suíço Robert Walser.

5."A Volta do Filho Pródigo - Os Humilhados", de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub - O rigoroso casal de diretores retorna à literatura de Elio Vittorini, o mesmo escritor do qual adaptaram "Viagem à Sicília", uma obra-prima. Aí vai uma sugestão à organização da Mostra: realizar no futuro uma retrospectiva de Huillet-Straub.

6."A História de Marie e Julien", de Jacques Rivette - O diretor francês, que esteve na linha de frente da Nouvelle Vague, ao lado de Godard, Truffaut e Rohmer, raramente erra a mão.

7."Dogville", de Lars von Trier - A vida americana é novamente submetida ao cutelo brechtiano do diretor dinamarquês, que realizou este filme quase experimental inteiramente em estúdio, tendo como estrela a bela Nicole Kidman.

8."O Retorno", de Andrey Zvyagintsev - É o primeiro filme do diretor russo de 39 anos e ganhou logo de cara o Leão de Ouro do Festival de Veneza de 2003. A crítica européia também não se conteve nos elogios, recomendando este drama de pretensões metafísicas sobre o mal e a paternidade --tema também de "Pai e Filho", o novo filme de Aleksandr Sokúrov, presente na Mostra.

9."A Saga de Gösta Berling", de Mauritz Stiller - A grande iguaria da Mostra é a retrospectiva de 14 filmes de Stiller, um dos fundadores do cinema sueco. "Gösta Berling", de 1924, é sua obra-prima --e foi também o filme que revelou Greta Garbo. Mas é impossível deixar de ver ainda "Erotikon", de 1920, e "Hotel Imperial", de 1927, filmado em Hollywood com Pola Negri.

10."Um Filme Falado", de Manoel de Oliveira - O maior diretor português é um fenômeno. Tem 95 anos e é um dos mais prolíficos autores do cinema europeu. Seu lugar na Mostra é cativo, e o espectador que acompanha anualmente as produções de Oliveira pode achar que ele não tem mais nada a acrescentar ao que já disse. Torpe engano: o diretor está sempre a postos para nos surpreender, como neste "Filme Falado", bastante elogiado na França.

11."O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte - O clássico brasileiro volta em cópia nova, pilotando uma oportuna mostra deste diretor paulista, que soube flertar ao mesmo tempo com o academicismo e a modernidade.


12."Neste Mundo", de Michael Winterbotton - Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano, o filme inglês aborda a atualíssima questão da imigração clandestina na Europa, seguindo o trajeto perigoso de dois afegãos desde a Ásia até o Reino Unido. Sua linguagem semi-documentária, precisa e política impressionou a crítica.

13."Adeus, Dragon Inn", de Tsai Ming-liang - O mais recente filme do cultuado diretor de Taiwan aborda os últimos dias de um cinema em Taipé, reunindo suas obsessões cinéfilas com as sexuais. Outros cinco filmes de Ming-liang serão exibidos na Mostra, inclusive "Vive l'Amour", Leão de Prata em Veneza em 1994, e "O Rio" (1997), um filme devastador.

E 13 APOSTAS

1."Tiresia", de Bertrand Bonello - É a história de um travesti brasileiro em Paris que fica cego e se transforma num vidente, repetindo o mito grego. O filme virou cult na França. O personagem central é interpretado por dois atores, uma mulher e um homem --este o brasileiro Thiago Teles, estudante de filosofia descoberto por acaso pelo diretor.


2."S 21 - A Máquina de Matar dos Khmers Vermelhos", de Rithy Panh - Documentário sobre os extermínios promovidos por Pol Pot no Camboja. O filme foi bastante elogiado pela crítica européia.

3."Coisas Belas e Sujas", de Stephen Frears - Um thriller policial que cruza várias histórias de imigrantes em Londres. Frears filma uma Inglaterra multicultural e muita contemporânea, revitalizando o seu cinema.

4."O Albino Nói", de Dagur Kári - Primeiro filme do diretor islandês e um dos principais da Mostra a abordarem a vida adolescente. A crítica francesa o comparou a "Os Incompreendidos", de Truffaut, "revisto e corrigido por Joy Divison".

5."Encontros e Desencontros", de Sofia Coppola - A filha de Francis Ford Coppola acertou em cheio em seu primeiro filme, "Virgens Suicidas", tornando-se um dos mais promissores nomes do novo cinema americano. Parece que também acertou neste segundo trabalho, uma comédia com Bill Murray, ambientada em Tóquio, muito bem recebida no último Festival de Veneza.

6."A Coisa Pública", de Mathieu Amalric - Primeiro trabalho do roteirista de "Recursos Humanos", um dos melhores filmes franceses dos últimos anos.

7."O Último Cliente", de Nanni Moretti - Curta-metragem documental do principal diretor italiano em atividade, o mesmo do emocionante "O Quarto do Filho".

8."A Mulher Que Acreditava ser Presidente dos Estados Unidos", de João Botelho - O argumento deste filme, tão-somente, já justifica a ida ao cinema: uma mulher em Lisboa cisma que é a presidente dos EUA e imagina que sua casa modesta é a Casa Branca. Mas há outro motivo para assistir ao filme: Botelho é um dos mais interessantes e sofisticados diretores portugueses.

9."Chicago", de Frank Urson - Uma das curiosidades da Mostra é este filme realizado em 1927 pelo pouco conhecido Urson, cuja carreira fulgurante em Hollywood terminou tragicamente: ele se afogou num lago em 1928. A história é a mesma da peça de Maurine Watkins para a Broadway, mais tarde transformada em musical.

10."Seu Irmão", de Patrice Chéreau - O diretor de "Rainha Margot", que é também um dos melhores encenadores do teatro francês, retorna ao cinema com um drama familiar de grande densidade, a confiar no trailler do filme.

11."Alila", de Amos Gitai - Em seu novo trabalho, o importante diretor israelense abandona os temas diretamente políticos e desenvolve uma série de dramas domésticos, que levam o privado e o público a se questionarem mutuamente.

12."La Cruz del Sur", de Pablo Reyero - É um dos destaques entre os filmes argentinos que a Mostra vai exibir, os quais o espectador atento não deve dispensar. O cinema da Argentina é hoje um dos mais vibrantes do mundo.

13.Cinema brasileiro - Há vários filmes nacionais na Mostra que merecem atenção, entre eles "33", de Kiko Goifman, "Rua da Amargura", de Rafael Conde, "Signo do Caos", de Rogério Sganzerla, "Benjamin", de Monique Gardenberg, e "Glauber, o Filme, o Labirinto do Brasil", de Silvio Tendler.
Alcino Leite Neto, 46, é editor de Domingo da Folha e editor da revista eletrônica Trópico. Foi correspondente em Paris e editor do caderno Mais! Escreve para a Folha Online quinzenalmente, às segundas.

E-mail: aleite@folhasp.com.br

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