Pensata

Antonio Carlos de Faria

16/10/2001

www.samba-choro.com.br

Enquanto o apocalipse não vem, o Rio continua sendo a cidade da constante experimentação em busca daquilo que nos é específico, moldando o espírito da nacionalidade.

Os regionalismos definidos, que fazem a delícia de cidades como Salvador ou Porto Alegre, ou a heterogeneidade criativa - de que São Paulo é o exemplo mais acabado - encontram no Rio uma espécie de síntese em constante ebulição. Quando a gente imagina que não há mais o que inventar, é só porque anda passeando pouco ou está conversando com as mesmas pessoas.

Nesse último domingo, quem foi à Gamboa viveu alguns momentos dessa efusão carioca. Uma festa comemorou ali os cinco anos de funcionamento de um site na internet que fornece as melhores e mais variadas informações do samba e do choro, não só no Rio, mas no país. Quem quiser visitar acesse: www.samba-choro.com.br - assim com letras minúsculas, apesar de ser um produto maiúsculo.

O cenário foi um centro cultural, em um prédio neoclássico, que abrigou uma escola pública no começo do século passado. Os melhores sambistas e chorões passaram por lá para prestar uma homenagem ao site e abraçar o criador da idéia: Paulo Neves, jovem estudante de mestrado em ciências da computação, especializado em inteligência artificial.

É interessante pensar em todos as faces dessa festa. A Gamboa foi o bairro destinado à quarentena dos negros trazidos da África para serem escravos. Com casas de grandes portas e janelas, onde as pessoas ainda colocam cadeiras nas calçadas para conversar com vizinhos, fica ao lado do morro da Providência, no qual surgiu a primeira favela do país.

Locais na região central do Rio, que não por coincidência tem no outro lado do morro a estação de trens da Central do Brasil.

Todos esses ingredientes da história da cidade temperados com música de primeira qualidade, reunidos no caldeirão tecnológico comandado por
Paulo Neves. O resultado é a celebração de uma cultura viva, que não se
desidrata como peça de um museu folclórico.

Para quem perdeu essa festa, hoje tem mais. Às 20h30, na sala Cecília Meireles, na Lapa, acontece a grande final do Festival de Choro do Estado do Rio de Janeiro, com transmissão pela Rede Brasil de televisão.

Músicos de vários lugares do país se apresentaram nas últimas três semanas no local, mostrando a constante renovação desse que é o mais antigo dos gêneros musicais surgidos essencialmente no Rio e depois adotado como um dos símbolos da brasilidade.

Embora o mundo há um mês já não seja o mesmo e tenhamos entrado no século 21 pelo choque do final das ilusões, há pessoas que transformam toda a energia dessa angústia em arte, nos livrando da pobreza da falsa compaixão, da solidariedade de ocasião. Como dizia o poeta em Pessoa, toda arte é a confissão de que a vida não basta. Ainda bem que existem muitos que não permitem que nos esqueçamos disso.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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