Pensata

Antonio Carlos de Faria

23/10/2003

La donna è mobile

O Jonjoca não fazia questão de esconder que era um cara ciumento. Bastava a Deolinda dizer que estava com vontade de ir tomar sol no Pepê que ele logo se enfezava.

"Você vai é se exibir para os ex-namorados. Eu saco suas intenções", arengava com ar contrariado.

A Deolinda sorria e continuava a colocar o biquíni e escolher a canga. Nunca iria dar conversa para um marmanjo, mesmo que fosse seu marido. Para enfatizar sua indiferença, ela assobiava uma ária do Rigoletto, aquela que diz que a mulher é volúvel. Jonjoca ficava ainda mais possesso, pois sabia que os trinados eram escolhidos para seu desgosto.

"Ah, não. Verdi não vale. E faça o favor de escolher um maiô mais decente. Você não sabe que esses biquínis minúsculos não são mais fashion", questionou o marido, tentando mudar a estratégia.

Deolinda conhecia a artimanha. Quando o Jonjoca não tinha argumento, sempre tentava convencê-la do que seria o bom gosto, o que estaria ou não de acordo com as novas tendências. Para ele, o chique era sinônimo de roupa recatada, do tipo que a escondesse, em vez de destacá-la.

"Jonjoca, você ainda vai ser um grande costureiro. Aliás, quanto mais o tempo passa, mais eu noto o seu refinamento, esses modos delicados. Nunca disseram que você tem um jeito de bailarino espanhol?"

"Sai fora. Se eu fosse da Espanha, seria um toureiro. Muito macho."

"Sei, sei. O maior medo de um toureiro é ser chifrado. Freud explica teu caso, Jonjoca. Vai tratar esse ciúme que ele está ameaçando nosso casamento."

Deolinda sentiu quase que um arrependimento, afinal pegara pesado e talvez o marido não estivesse preparado para as sutilezas da psicanálise. Mas manteve a disposição de ir para as areias da Barra. Antes de sair, deu um beijo no Jonjoca, que ficara calado, absorto, no meio da sala.

Quando ela voltou, o marido não estava em casa. Só chegou na hora do jantar. "Fui caminhar. Encontrei uns amigos. Nada melhor do que um chopinho com os amigo, não é?", comentou o Jonjoca, ao passar por ela em direção a um banho prolongado.

A Deolinda estranhou que ele não fizesse o costumeiro interrogatório sobre seu dia na praia, recheado de perguntas maçantes. Ficou ainda mais encafifada com o passar dos dias, pois mesmo quando ela exagerava de propósito na maquiagem ou no decote, o marido não se manifestava, não dava um pio. Além disso, ele ficava longos períodos fora de casa e voltava sempre alegre, bem disposto.

Em um lamento mudo, concluiu que aquilo só podia significar que o Jonjoca não se interessava mais por ela. Pior. Talvez ele estivesse se enrabichando por alguma desclassificada. Ah, isso não, ela não era mulher de viver na dúvida. Iria agora mesmo colocar tudo em pratos limpos.

"Jonjoca, você está me traindo? Diga logo, vamos, confesse."

O marido não disse nada. Apenas abriu seu armário, pegou um pequeno embrulho de presente e entregou à mulher. Com um sorriso levemente enigmático, deu-lhe um beijo, desejou-lhe bom dia e saiu do apartamento dizendo que estava indo trabalhar.

Deolinda ficou com o embrulho nas mãos, sem coragem de abri-lo. Tentava adivinhar seu conteúdo pelo tato, querendo diminuir o choque de uma surpresa. Em meio a sua perplexidade, subitamente deu-se conta de que estavam em um sábado.

O desgraçado do Jonjoca não era médico para dar plantão em final de semana. Movida pela convicção de ter sido enganada, rasgou o embrulho. Mesmo tomada pelo ódio, não conteve uma expressão de prazer ao se deparar com um biquíni da última moda.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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