Pensata

Antonio Carlos de Faria

20/11/2003

Van Goghs na Carioca

Hora do almoço e o corredor entre a estação Carioca do metrô e a avenida Rio Branco está apinhado de gente. Os pedestres circulam quase sem dar atenção aos pintores e artesãos que expõem suas obras no local.

Um retrato a carvão de Vera Fischer desperdiça inutilmente sua abundância. Quase ninguém pára para apreciar os dotes da atriz e muito menos a habilidade do retratista. Mais à frente, quadros a óleo reproduzem trechos de praias e lembram vagamente Panceti, com seus amplos campos de cor.

Não é fácil ser artista. Essa constatação, constrangedora por sua obviedade, merece um pouco mais de atenção. A dificuldade em ser artista começa com o próprio ato de se arriscar. Esse é um salto no escuro, no qual a maioria dos viventes não se arroja e nem apóia os que tentam, pelo menos com apoio sincero.

O reconhecimento é dado ao sucesso, não ao processo de obtê-lo, ensina o mestre MD Magno. Temos a cultura de só aplaudir o sofrimento e a angústia quando o resultado já está estabelecido. A ousadia de tentar criar um novo sentido é empreendida em oposição a uma torcida contrária, que deseja a permanência e não a mudança.

Olho as telas na avenida Rio Branco e penso em Van Gogh que se suicidou sem ter vendido um único quadro. As cartas do pintor ao irmão, Théo, mostram como as privações e o desprezo faziam parte do seu cotidiano. Os artistas de rua são seus colegas de agruras, por mais que essa idéia provoque risos depreciativos em quem não veja sentido entre comparar um gênio consagrado com anônimos amaldiçoados.

O que distancia Van Gogh dos artistas da Carioca é que, aparentemente, nenhum desses últimos está em busca do novo, do específico, daquilo que ao fim amplie um pouco mais os horizontes do homem. A exemplo de colegas mais abastados da cena artística, repetem fórmulas para poderem se expressar e ganhar dinheiro, tarefa que não é menos digna.

Mas isso é uma generalização perigosa. É preciso estar atento ao novo, alguém já disse. Quem sabe um dia, na saída do metrô ou no caminho do almoço, um quadro possa nos surpreender.

Talvez a surpresa maior seja aplaudir não a obra, mas sim o desejo de fazê-la. Desejo que moveu o artista e que o mundo só perdoa quando o criador se transforma em celebridade, o que significa que está preso a uma esfera de domínio e faz parte do rebanho.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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