Pensata

Antonio Carlos de Faria

13/12/2003

Sexo na rua do Ouvidor

O criador da Playboy recentemente declarou que o mundo não sabia o que era o sexo até sua revista ter sido lançada. A frase de efeito vai além da costumeira mania de grandeza dos norte-americanos. É uma confissão da inabilidade e do desconforto que os puritanos dos EUA sempre tiveram em relação à sexualidade.

Se eles não sabiam o que era o sexo até os anos 50 do século passado, quando surgiu a Playboy, outros povos já se esbaldavam há muito tempo, incluindo os brasileiros.

Ruy Castro, no livro "Carnaval no Fogo", situa no início do século 19 o momento em que o Brasil fez seu upgrade nas questões sexuais. As francesas que chegavam para trabalhar com os negócios da moda e da beleza na rua do Ouvidor, no centro do Rio, mostraram que o refinamento ia além dos artigos que vendiam no balcão, podendo alcançar a alcova.

Desde lá, a rua do Ouvidor deixou de ser o pólo modernizador do Brasil, mas as lições francesas de sensualidade permaneceram fluindo de suas imediações.

Outro dia mesmo, um amigo que fazia compras de Natal contou-me como ficou absolutamente seduzido pelo atendimento de uma vendedora, numa loja chique do centro. A moça reatou um elo de dois séculos, provando-lhe que a arte de encantar continua em voga na região.

Por alguns minutos, a vendedora mostrou-se uma legítima sucessora das francesas e cobriu meu amigo de atenções que ele não esperava. Ao final, ele saiu da loja feliz, carregando uma sacola de presentes mais caros do que era sua intenção comprar.

Mas estou fugindo do tema inicial. A crônica de hoje começou falando da bravata de Hugh Hefner, o sortudo que inventou a Playboy. Próximo dos 80 anos, ele não se tornou inume a falar besteiras, apesar de ser um dos homens mais invejados da história.

O mundo não precisou de sua revista para que o sexo fosse descoberto como fonte de prazer. Mas sua frase é compreensível na medida em que para os norte-americanos o mundo vale pouca coisa fora dos EUA. Em todo caso, o fato de a delícia da sexualidade ser um fato novo naquele país explica outras peculiaridades de sua cultura.

Uma delas foi o escândalo que fizeram ao descobrir que seu ex-presidente era um homem viril, capaz de relações extraconjugais. Houve debates a respeito dos casos de Clinton e até mesmo chegou-se a construir a hipótese de seu afastamento do cargo.

Um pouco antes, no Brasil o povo recebia com bom humor as fotos do ex-presidente Itamar Franco, flagrado ao lado de uma mulher sem calcinha, durante o desfile de Carnaval, no Rio.

Aqui, Itamar se tornou quase que um herói popular. Nos EUA, o tal escândalo de Clinton se transformou em culpa nacional, que para ser expurgada precisou de uma autopunição exemplar.

A expiação veio quando aceitaram Bush júnior como novo presidente, em uma eleição suspeita. Isso seria um problema sexual deles, mas, como continuam com mania de grandeza, fazem com que o mundo inteiro sofra com o castigo que se impuseram.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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