Pensata

Antonio Carlos de Faria

31/01/2004

Lula e o visconde de Mauá

Quem leu "Mauá: Empresário do Império", de Jorge Caldeira, pôde conhecer em detalhes como a ação da elite escravocrata brasileira aparelhava o Estado em proveito próprio e inibia, no século 19, as iniciativas privadas ou públicas que pudessem abalar seus privilégios.

Na época do lançamento, lembro de uma discussão a respeito do livro na qual o outro debatedor era um renomado membro das nossas elites atuais. Falamos principalmente da herança perversa que a escravidão exerce até hoje no Brasil. O caráter privado do encontro não permite revelar seu nome, mas não há impedimento em mostrar como ele pensa.

De dedo em riste e com o ar arrogante que os ricos habitualmente assumem quando querem agir com naturalidade, o tal (ele se imagina o tal, portanto vamos chamá-lo assim) disse que ninguém dá nada de graça e que os pobres só conseguiram melhorar de vida nos países onde tiveram disposição de luta. Para ele, isso explicava o passado e o presente do Brasil.

Ou seja, negou qualquer responsabilidade de sua classe e ainda chamou o povo brasileiro de acomodado. Em resposta disse-lhe que essa visão se mostrava estreita e que, se não levava a revoluções, no mínimo insuflava a criminalidade.

Imagino sua reação e a de seus pares agora que o presidente Lula declara em uma reunião de empresários internacionais que a maior parte dos problemas do Brasil é decorrente da ação irresponsável da elite brasileira. O presidente afirma que essa elite "geriu o Estado em proveito de poucos e agravou de forma insuportável as desigualdades sociais".

Acredito que o tal, com o seu verniz de intelectual sofisticado, vai continuar a leitura nietzschiana pragmática pela qual julga natural sua natureza aristocrática e o domínio que exerce sobre os demais. Com certeza, olha o próprio presidente como uma concessão que sua casta faz ao populacho, para criar a ilusão de democracia.

Isso é o que ele deve estar pensando, mas mais importante é saber o que pensa e o que quer fazer o presidente Lula.

O primeiro ano de gestão do presidente operário foi gasto por um esforço gigantesco em negociar e aprovar reformas cujo objetivo propalado é modernizar a economia e criar um ambiente propício para o desenvolvimento.

Como já foi escrito aqui, em crônica anterior, não é uma ironia inédita na história que caiba a um partido de origem socialista a tarefa de reformar o capitalismo, de forma a melhorar a vida dos que nele vivem.

Mas essa reforma fracassará, caso se limite a propiciar sombra e água fresca para o Estado, bancos e empresas. Isso é o que quer a elite criticada pelo presidente.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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