Pensata

Antonio Carlos de Faria

27/06/2004

Um brinde para Leon

Um casal amigo acaba de ter o terceiro filho, uma menina com o nome lindo de Ana Clara. O primeiro se chama Guilherme e tem vinte anos, a segunda é a Júlia, com dez.

É notável a constância que leva esses pais a gerar uma nova vida a cada década. Quem os conhece sabe que isso resulta de sincera crença no futuro, o que de certa forma é um voto que favorece a todos nós.

Os amigos do casal admiram seu otimismo e há quem acredite que esse ímpeto de ter bebês é também estimulado pelo fato de as crianças crescerem cada vez mais rápido.

Essa suposição deixa algumas questões para as quais não ouso ter respostas, e com as quais só posso contribuir ao revelar minhas próprias indagações.

Ao pensar nos dois filhos mais velhos do casal, fico absorto não pela constatação de que cresceram rapidamente, mas com a passagem inclemente do tempo.

Nos vinte anos percorridos pelo Guilherme, por exemplo, vi o garoto se transformar e hoje me surpreendo com suas expressões de quem acha natural ocupar um lugar no mundo dos adultos. Mas afinal de onde vem a surpresa, do menino que ele ainda é, ou do menino que nunca deixei de ser?

Um dia, próximo da idade que ele tem hoje, cheguei a pensar que esse tal lugar entre os adultos viria espontaneamente quando encontrasse respostas para incertezas essenciais.

No transcorrer dos anos, apenas consegui definir melhor as perguntas e saber que, para aplacá-las, no lugar de obter respostas seria preciso construir sentidos. Num mundo que premia as convicções, é preciso iluminar o caminho com as dúvidas.

Quanto ao fato de as crianças estarem crescendo cada vez mais rápido, parece que não é preciso pensar em causas sinistras como a excessiva carga de informações, ou o efeito colateral de batatas fritas e hambúrgueres.

Quem foi criança e não se esqueceu disso, pode lembrar dos desejos constantes de ter acesso ao mundo de coisas só permitidas aos maiores.

Queríamos deixar de ser crianças, pois a infância é muito chata, cheia de carências e de limitações. Algumas redundam em frustrações que perduram pelas outras etapas da vida. É lógico que, com menos controles e auxiliadas por incentivos, as crianças deixem esse período da existência com maior velocidade.

Parece que esquecer é algo natural e até necessário, pois ninguém poderia suportar o peso de todas as memórias. Fenômeno paralelo ao esquecimento é a idealização do passado, daí a visão sonhadora entre os adultos de que a infância foi um reino perdido de felicidade, para o qual até se deseja voltar.

Então, eis que chega Ana Clara, a mais nova filha de meus amigos, que pela terceira vez renovam seus votos em favor da perpetuação humana.

Eu só agora encontrei, junto de Tânia, motivação para seguir passos semelhantes. Em outubro, nascerá nosso filho.

Logo, logo ele também vai querer deixar a infância, desejando se tornar um ser seguro de seu destino. Nesse momento, espero auxiliá-lo sem obstruir seu caminho com falsas respostas, os dogmas criados para nos dar conforto provisório.

Mas antes disso, enquanto ele tiver o espírito de um menino --o que no meu caso é uma situação que perdura--, quero participar muito de suas brincadeiras, que parecem ser a melhor forma de aprender a dar sentido àquilo que não tem sentido nenhum.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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