Pensata

Antonio Carlos de Faria

18/07/2004

Prêmio para a chatice

Bendito é o sujeito que escreve coisas que se pode abandonar ao final da primeira linha, ou no máximo depois de um parágrafo. Deviam criar um prêmio para essas santas pessoas que nos permitem gozar melhor o escasso tempo da vida.

Digo isso a propósito de um e-mail recente que convidava a votar no colunista mais chato de um certo jornal carioca. Sinceramente, não compactuei com o tom jocoso da eleição.

No lugar da execração, proponho que seja instituída uma premiação, não restrita a apenas um determinado jornal e nem só aos jornalistas, mas que possa alcançar a todos os que labutam com a escrita.

Em um tempo no qual somos assolados por tanta informação, aqueles que deletamos apenas ao ler os nomes são heróis da concisão. Merecem figurar no topo de um altar primitivo, em que se glorificam os mortais como se fossem deuses.

Sei que alguns de vocês --notem o tratamento afetivo-- devem estar pensando que esta crônica poderia muito bem ser lembrada para alguma categoria desse prêmio.

Pode ser. Mas antes de qualquer votação é preciso estabelecer critérios. É necessário definir as características que conferem a um texto um grau incontestável de chatice.

Em primeiro lugar, vêm os textos daqueles que foram autoridades governamentais. Estão sempre dizendo o que está errado, sem ter a menor humildade de lembrar os próprios fracassos.

Esses mandatários, que contribuíram para agravar a situação de dependência do país, de certa forma já estão premiados, pois, após terem feito muitas besteiras, hoje são consultores e colunistas bem pagos.

Outro critério para distingüir a chatice é sem dúvida o lugar-comum. Essa é a capacidade de abordar os assuntos empregando a mesma lógica que os domina. Trata-se do caso mais recorrente entre os analistas políticos e os comentaristas de futebol.

De tão imersos no mundo ilusório em que trafegam, eles passam a creditar demasiada importância aos confrontos dos partidos ou das partidas.

Acham genial uma fórmula do tipo "o grupo está forte para a disputa deste ano", que pode ser usada tanto para se concluir que a agremiação tem chances nas eleições municipais, quanto no campeonato brasileiro.

Parece que um outro ponto a definir a chatice é o dom da polêmica, que ao ser empregado em exagero passa a ser um maneirismo desgastado. Geralmente, os que usam esse artifício estão procurando construir a própria fama sobre os escombros de reputações alheias.

Então, votar nos polêmicos profissionais para qualquer prêmio, mesmo o da chatice, é na verdade realizar o desejo que eles têm de aparecer. Pensando bem, talvez eles não mereçam nem isso.

Por fim, todo o agradecimento é pouco para os "mudernos", que são aqueles cujo maior atributo é estar em dia com as publicações de vanguarda do Primeiro Mundo. É fácil identificar o tipo, pois vive copiando trejeitos e conceitos formulados pelas culturas dominantes.

Mais de um já foi pilhado ao publicar traduções literais como se fossem de próprio punho. Merecem um dos prêmios máximos, pois, se quisermos ler coisas chatas, nos ensinam a ir direto aos originais, dispensando intermediários.

É claro que esses critérios são muito pessoais. O leitor atento poderá até notar que eles incluem muito do que se lê, mas deliberadamente excluem o que se está lendo neste exato momento.

Não se deve estranhar tal procedimento, pois não é comum a essa crônica semanal a propensão ao auto-escárnio.

Isso pode ser um erro, pois gozar a si mesmo é algo que ajuda a enfrentar a vida, a encontrar prazer mesmo quando se está só, ou, principalmente, nessa situação.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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