Pensata

Antonio Carlos de Faria

27/06/2002

Palavras

Conta o folclore político paulista que um ex-governador sempre nomeava uma comissão de alto nível, quando não era de seu interesse resolver alguma questão.

A medida geralmente satisfaz o apetite da opinião pública pelos chavões e livra o governante do árduo trabalho de decidir.

No Rio, de tempos em tempos, somos assaltados por expressões tão equivalentes em seu uso desgastado e falta de significado. Uma delas é ocupação social, invocada toda vez que um episódio violento transborda de uma favela.

Outro clichê que está muito em moda é força-tarefa, que não passa da junção de esforços entre as polícias do Estado e as forças federais.

Aquilo, que deveria ser um fato da própria natureza dos governos, transforma-se em objeto de interminável debate de uma comissão de alto nível, que já se decidiu por medidas complementares, entre elas a ocupação social.

Para o processo ser completo, é preciso mobilizar a sociedade e convocar uma marcha pela paz, de preferência num domingo ensolarado, em alguma praia da zona sul.

Assim, podemos imaginar manchetes de jornais que satisfaçam diferentes expectativas. Por exemplo: "Marcha pela paz pede que comissão de alto nível nomeie força-tarefa e faça ocupação social". Outra: "Comissão de alto nível lidera marcha pela paz, depois de discutir ocupação social e força-tarefa".

É claro que nem todas as expressões surradas vão perdendo força com o tempo. Entre elas, crime organizado, usada desde quando os criminosos queriam apenas desorganizar uma situação.

Outra curiosa é bala perdida, que invariavelmente é uma das poucas achadas nas investigações.

Os dois últimos chavões caem como uma luva com presídio de segurança máxima, que no Rio é uma metáfora para aquilo que o jargão imobiliário chama de flat com "home office".

Por fim, temos Estado paralelo, difícil de definir, mas que podemos dizer que não é nenhum estado interessante, muito menos um estado de graças. Para discutir o problema, talvez a saída seja nomear uma comissão de alto nível.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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