Pensata

Antonio Carlos de Faria

11/07/2002

Franco-atiradora

Noite alta e quatro homens conversam animadamente naquele restaurante elegante de Ipanema. Os assuntos se sucedem, jamais fugindo de trivialidades. De repente se dão conta de que um deles está silencioso.

É o Josué, sujeito admirado pelo grupo por ser um solitário convicto, uma espécie de homem sem vínculos, sempre disponível para o próprio prazer, ao contrário dos outros, casados e com filhos para criar. Nem é preciso que os demais o questionem, ele logo explica a ausência no debate.

-Estão vendo aquela mulher, na mesa ao fundo? A que está com um rapaz... Notaram? Deve ter quase quarenta, embora pareça muito mais nova. Linda, elegante...Viram que sorriso? Pois é, agora olhem para o rapaz. Tem menos de 25 e é o terceiro que eu vejo com ela neste mês.

Todos protestaram. Josué estava exagerando, afinal o mês mal começara.

-Pois então, senhores, eu digo que a vi, na semana passada e nessa segunda-feira, sempre jantando em locais chiques. Em cada lugar, ela estava maravilhosa e com um garotão diferente. Trata-se de uma franco-atiradora.

Como é que é? Franco-atiradora? O grupo quase derrubou a mesa com o rebuliço que a expressão causou.

-Calma, eu explico... Ela atua sozinha e alveja o exército inimigo com precisão. Mira sempre os soldados que parecem mais vigorosos, na linha de frente. Não está interessada em oficiais graduados, como nós. De minha parte, eu só tenho a lamentar por essa escolha. Adoraria ser atingido por ela.

Mas isso todos gostariam, disseram os demais. O problema era tentar o contrário: atingir a moça em questão. Talvez, com uma boa conversa, quem sabe... Josué respondeu com uma mistura de desalento e bom humor.

-Não adianta, eu já tentei isso hoje, aqui no bar do restaurante, enquanto esperava vocês chegarem. Ela me dispensou... Sem ser grosseira, disse que estava interessada nas mesmas coisas que eu, ou seja, relacionamentos rápidos, pessoas bonitas. E acrescentou: sem bagagem.

Por que sem bagagem? Ela não gosta de homens experientes?

-Eu perguntei isso. Ela respondeu que a experiência é algo pessoal e as únicas que a interessam são as que possa viver e as que lê em biografias. Além disso, concluiu que bagagem sempre lembra malas.

Falou isso? Assim, na cara dura? Que insolente! Como foi sua reação?

-Bem, concordei com ela e arranjei uma saída honrosa.

Qual saída? O que você disse para ela? Fala Josué, conta aí...

-Disse que a compreendia, pois eu estava prestes a enfrentar uma esteira de aeroporto, cheia de malas... Pedi licença e vim aqui para esta mesa.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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