Pensata

Antonio Carlos de Faria

22/08/2002

Curva do Vinícius

A turbulência sacode terrivelmente o avião, no retorno de uma viagem de trabalho a Salvador. São alguns minutos intermináveis, daqueles que fazem pensar se os anteriores foram bem vividos e se outros serão possíveis.

Em meio ao sacolejo, imagens de Itapuã retornam, aparentemente sem razão.

O lugar que a memória quer revisitar é a Curva do Vinícius, final de praia onde o poeta viveu nos anos 70. A casa, que ele construiu para morar com uma de suas paixões, ainda está lá e dela é possível ver alguns coqueiros.

Porém o cenário já não é o mesmo que Vinícius de Moraes descreveu em "Tarde em Itapuã", samba de 1971, composto com Toquinho.

O pequeno trecho de paraíso foi tomado pela expansão urbana. Conforme sabe o senso comum, o amor altera o objeto amado, embora deseje conservá-lo. O amor do poeta por Itapuã ajudou a transformá-la.

Ao tornar o recanto célebre, pela sua música e por ter ido para lá, Vinícius atraiu vizinhos que quiseram compartilhar de sua proximidade e das maravilhas que ele cantou.

Atrás dos primeiros, vieram os prestadores de serviços, a padaria, a farmácia, o borracheiro... veio a cidade.

O paraíso se foi, mas algo ficou. Quem ouve "Tarde em Itapuã" será transportado para um lugar mágico, mesmo se estiver em meio ao caos de uma grande metrópole.

Mesmo se estiver dentro de um avião, em meio à turbulência.

Mesmo que Itapuã seja mais um velho samba, que sem motivo a gente resolva lembrar.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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