Pensata

Antonio Carlos de Faria

26/09/2002

Não está escrito

No dia 21 de maio de 1987, o repórter novato foi designado pela chefia de redação para acompanhar um princípio de incêndio na avenida Paulista, esquina com a rua Augusta. O rapaz partiu para a missão fascinado com o imprevisto.

Quando chegou, o fogo já dominava uma das torres e havia se expandido para a segunda. Em um tempo em que o celular era peça de ficção, o foca tratou de arranjar um orelhão bem em frente ao prédio em chamas, dentro do cordão de isolamento criado pelos bombeiros.

Pelo telefone, começou a relatar que uma das torres estava se inclinando e que havia perigo de desabamento. Do outro lado da linha, um redator ouvia tudo e dava forma ao texto que seria publicado no dia seguinte.

Foi aí que o prédio caiu.

Todos os que estavam nas proximidades saíram correndo. Inclusive o repórter, que largou o aparelho fora do gancho, tornando o redator uma testemunha privilegiada do estrondo incrível.

Na meia hora seguinte, o rapaz tentou arranjar um outro telefone, para continuar o relato. Quando conseguiu encontrar, o redator riu nervosamente ao atender a chamada.

Entre expressões que tentavam soar como piadas, o colega explicou que no jornal começavam a especular se ele, o repórter, não teria sido soterrado pelo desabamento. Por trinta minutos, existiu, mesmo que de brincadeira, a hipótese de sua morte.

Passados 15 anos, há dificuldade para lembrar o tamanho do prédio que caiu. Talvez fossem quase trinta andares, mas o tempo, ao contrário da distância, torna maiores as coisas, quando delas nos distanciamos.

Ontem, acompanhando de longe o drama do desabamento no centro do Rio, o repórter despertou essa dúvida e uma certeza. Aquela morte virtual de certa forma moldou a sua vida, onde muitas coisas mudaram, menos o fascínio pelo que ainda não está escrito.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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