Pensata

Antonio Carlos de Faria

11/10/2002

Novo sentido

Leio no noticiário científico que a nova hipótese para o sentido da vida seria simplesmente a de gastar energia. O universo todo existiria para consumi-la e mais sucesso teriam nesse esquema as formas complexas _as vivas-, que são muito perdulárias.

Caso essa teoria esteja correta, Mike Tyson seria um exemplo maior de realização do que Einstein e as Scheilas, do Tchan, seriam de longe mais eficientes do que Marta Suplicy ou Rosinha Garotinho...

Um amigo, que abraçou há alguns anos o rigor da vida em monastério, trata com piedade quase santa quem acredita em um sentido intrínseco para a vida. Mesmo que este seja tão elementar quanto consumir energia _e aí tanto faz rebolar num palco ou se dedicar aos contorcionismos da política.

Se não há sentido intrínseco, a dádiva divina estaria justamente em permitir a cada homem que crie sua própria razão de ser, diz esse amigo, que construiu um curioso arranjo intelectual, procurando dar conta da angústia de existir.

Por seu sistema particular, o inferno seria não um subsolo escaldante, sem aparelhos de ar condicionado, mas sim o lugar onde nenhum sentido pessoal é possível.

Penso nessas teorias e me lembro de um e-mail recentemente recebido, no qual um militante partidário protesta contra uma de minhas crônicas e lamenta o fato de que árvores "precisaram ser abatidas" para que se fizesse o papel onde supostamente escrevi o tal texto.

Trata-se de uma pessoa indignada com a existência de alguém que não consegue, como ela, ver as qualidades tão exuberantes de seu candidato presidencial, que seria o único líder capaz de guiar a nação por entre a tormenta. Uma espécie de messias.

Como não usei papel para escrever a crônica, muito menos para publicá-la _o crime todo aconteceu nisso que se chama de ciberespaço_, discordei quanto à acusação de mau uso de árvores. Sobre minha incapacidade de enxergar as óbvias qualidades do salvador da pátria, pude apenas concordar.

O fato é que mesmo considerando justa parte de sua crítica e reconhecendo seu direito de fazê-la, fiquei por algum tempo consumindo energias para tentar entender o seu real sentido.

Felizmente, a ciência mais uma vez veio clarear o lado obscuro da vida. No fundo, o sentido estava no próprio consumo de energia.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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