Pensata

Antonio Carlos de Faria

17/10/2002

Expresso italiano

Paolo Gurisatti, professor da Universidade de Veneza, vem ao Brasil desde o início dos anos 90, convidado para dar consultorias em sua área de especialização: o desenvolvimento econômico por meio de pequenas empresas. Durante sua entrevista, em Copacabana, tomamos café expresso, chamado de italiano, embora o pó seja brasileiro.

Ao sintetizar a razão do crescimento da Itália nas últimas três décadas, ele aponta dois motivos: a valorização do capital social e o estabelecimento de uma cultura de exportação.

Seu país sofreu nos anos 70 um processo de colapso da economia baseada nos grandes grupos empresariais. No mesmo cenário de estagnação, havia expansão do crime organizado e ação de grupos terroristas. No parlamento, os gabinetes de governo caíam a cada seis meses.

Na época, o Brasil vivia sob regime militar, terminava um ciclo de crescimento e entrava numa crise cujos reflexos vivemos até hoje.

O que Gurisatti chama de valorização do capital social foi o movimento espontâneo que os italianos fizeram de revitalização da vida comunitária, fortalecendo laços seculares, principalmente nas cidades do nordeste do país.

Atuando em conjunto, as pequenas empresas passaram a buscar qualidade na fabricação de produtos tradicionais, agregando valor para disputar mercados externos com alto poder de consumo.

Assim, o mundo hoje come presunto de Parma, queijo grana padano, usa gravatas e sapatos italianos como símbolos de bom gosto, produtos feitos em pequenas empresas que trabalham em redes produtivas. Redes que diminuem custos de produção e de inovação tecnológica, além de traçar estratégias para expandir e consolidar exportações.

O resultado desse sistema, que não é originário de uma política de Estado nem de subsídios sustentados pela sociedade, é que, em apenas uma região italiana, a do Veneto, as exportações do ano passado atingiram cerca de US$ 40 bilhões. O país todo chegou a US$ 250 bilhões. O Brasil, no mesmo período, ficou em torno de US$ 58 bilhões e a falta de divisas sufoca o país, gerando crises periódicas.

Gurisatti conhece algumas experiências brasileiras de distritos onde se juntam pequenos empresários voltados para fabricar produtos similares. Sabe que uma das dificuldades do país é transformar a célebre cordialidade em convivência comunitária eficiente, com cooperação objetiva.

No fundo, precisamos de uma mudança cultural. Para isso, um caminho sugerido por Gurisatti é identificar as experiências de sucesso já existentes no Brasil e transformá-las em modelos que possam ser copiados em outras regiões.

Isso leva tempo, mas dá resultados sólidos. É melhor do que ficar esperando milagres de um futuro governo. Enquanto isso, vamos tomando café expresso italiano, embora o pó seja brasileiro.




Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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