Pensata

Antonio Carlos de Faria

24/10/2002

O grande dia

Na véspera do grande dia, Terêncio foi para a cama mais cedo. Virou de um lado para outro e quinze minutos depois se levantou. Estava ansioso demais para dormir. Queria antecipar o amanhecer, pois muita coisa iria mudar.

É óbvio que nem tudo, contemporizava o rapaz, procurando conter a euforia e não ser ingênuo. Afinal, o grande dia seria o limiar de uma nova era e as coisas resistem ao desejo de mudança.

Apesar da resistência, um mundo de perspectivas estava surgindo. Para isso, bastava mais um dia, conforme diz a canção do Chico, recordou Terêncio, sorrindo.

Envolto nessas especulações e embalado pelos vestígios de música popular, acabou dormindo.

Durante o sono, teve dois sonhos recorrentes. No primeiro, era tragado por ondas gigantes. No segundo, estava nu, em meio a uma multidão de pessoas vestidas a rigor.

Acordou trêmulo e ofegante. Demorou a constatar que já amanhecera. Depois de recuperar o fôlego, saiu para a rua, pois queria compartilhar o advento do grande dia.

Havia bandeiras e comemorações por todo o Rio de Janeiro. Muitos, como ele, acreditavam que aquela era a data ambicionada. Terêncio festejou com vários grupos.

Ah, o prazer da felicidade sem culpa, da celebração coletiva - a única forma lícita de gozo em um mundo tão desigual. Salve Gil, sorriu novamente Terêncio, admirado com suas inspirações musicais.

A noite chegou. A festa terminou na madrugada, quando o rapaz percebeu que estava só e voltou para casa. Fez o caminho convicto de que havia valido a pena esperar pelo grande dia.

Ao se deitar, foi tomado pela impressão desagradável de que nada mudara, pois ele havia continuado o mesmo.

Quando fechou os olhos, sentiu que iria sonhar com ondas gigantes. Sabendo o que viria a seguir, pensou em usar uma gravata-borboleta.



Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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