Pensata

Antonio Carlos de Faria

07/11/2002

Os videntes e o rei


Quem passa pelo Humaitá, naquele pedaço entre Botafogo e a Lagoa, vê uma casa velha que há alguns meses se transformou em centro esotérico, especializado em prever o futuro.

Os sinais externos - um ar de liquidação em loja de bugigangas - mostram que a vida está sendo dura para os videntes, que, pelo visto, não foram capazes de prever a concorrência de cientistas políticos e de jornalistas.

Uma das faixas penduradas na fachada anuncia que sexta-feira é dia de caridade e as consultas são gratuitas. Com outro tipo de gratuidade, é possível ver todos os dias um festival de previsões feitas por analistas ungidos pelos veículos de comunicação.

A moda entre esses iluminados é descrever, aceitando uma ou outra variação, o que será o governo Lula. Vaticinam que inicialmente haverá uma coalizão ampla e depois, como reflexo da crise crescente, surgirá um gabinete forjado apenas pelo núcleo duro petista. Nessa situação, o país já estaria sendo tragado pela irresistível atração de um buraco negro.

Na Antiguidade, as cassandras previam as desgraças reservadas pelo destino. Hoje, os oráculos da catástrofe escrevem colunas de opinião ou aparecem em mesas-redondas televisivas.

Quase sempre usam lugares-comuns, que procuram enunciar com uma trágica seriedade, algo que soa como um esquete de programa humorístico. Como maîtres de restaurantes caros, não perdem a pose, mesmo quando sabem que estão servindo um produto de má qualidade.

O pessimista já foi descrito como sendo um ex-otimista que passou a ser bem informado. Os adivinhos geralmente dizem que suas previsões são feitas para que se tomem decisões que evitem o mal. Em todo caso, o que está em jogo não é a previsão, mas sim a crença que ela desperta.

Uma história antiga conta que um rei, na iminência de ver seu castelo invadido por um exército inimigo, chamou o conselheiro e o adivinho do reino. Queria ouvir os presságios sobre a guerra.

Os dois disseram que o pior iria acontecer, a não ser que o rei perdesse o medo em relação ao futuro. Já naquela época era usual dizer banalidades dignas de livros de auto-ajuda.

O rei achou que os dois deram um conselho sábio e tratou de obedecer. Sua primeira medida foi demiti-los, pois já não tinha medo do futuro. A segunda decisão foi mandá-los para o campo de batalha.











Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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