Pensata

Antonio Carlos de Faria

21/11/2002

Os limites de tudo

Os portugueses demarcavam suas descobertas erguendo um monumento chamado padrão. Queriam indicar que a área tinha dono. Demarcar é um dos resquícios animais que subsistem no homem. Basta ver os cães, que fixam com xixi os seus territórios.

Penso nisso enquanto caminho por entre o lixo deixado pelos banhistas nas areias de Copacabana. Os detritos lembram o quão contemporâneo continua o ritual de delimitar terrenos, mesmo que seja tão somente o lugar onde se coloca uma esteira de praia.

Há também formas mais sutis de circunscrever áreas de influência. Como a da senhora com a qual tive de compartilhar o elevador antes de sair para caminhar. Compartilhar não expressa a verdade.

Para enfatizar seus contornos lânguidos, ela usava um perfume poderoso que tomou conta do pedaço. A mim só restou prender a respiração até que a porta abrisse. Foi uma espécie de treinamento compulsório para a guerra química.

Procurar um antídoto se transformou em necessidade urgente, por isso a idéia de um chope na avenida Atlântica. Além disso, seria uma forma agradável para se esperar o nascer da lua cheia sobre o mar, o verdadeiro motivo do passeio.

Ocupo uma mesa no pequeno quadrado que um bar delimitou no calçadão. Floreiras formam uma linha de tranqüilidade que separa os fregueses da agitação constante do bairro. A coisa funciona, mas não contra grupos de pagode. Um deles se aproxima das floreiras.

São quatro ou cinco gaiatos que interpretam trechos de músicas indistintas -alguma semelhança rítmica com o samba pode ocorrer casualmente. Os grupos procuram arranjar algum trocado dos turistas. O pagode consolida minha intenção de só tomar um chope.

Caminho até a faixa de areia e observo o luar, numa admiração que só não se transforma em êxtase porque a conversa de duas pessoas invade minhas proximidades. Uma diz que ainda não acredita que os norte-americanos estiveram na lua.

A outra alega que a bandeira dos EUA, afixada no satélite, é prova de que o novo território foi demarcado. A conversa me distrai e quase sou vítima de um poodle, que resolveu expandir seu império deixando sua marca sobre meus pés.






Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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