Antonio Carlos de Faria
28/11/2002
Nos últimos tempos ela vinha se sentindo "cooptada pelo sistema", expressão antiga que a incomodava. Tinha deixado de ser gauche para se conformar com a vida.
Só tomava café com adoçante, abolira os cigarros e até seu candidato finalmente vencera a eleição. O que ainda restava para a completa sujeição? O golpe fatal veio naquela manhã.
No meio da correspondência, recebeu uma carta-proposta para ser assinante de uma revista de fuxicos, dessas que médicos e cabeleireiros adoram, mas que dizem comprar apenas para a distração de seus clientes.
Ficou estarrecida. A correspondência foi entregue pelo porteiro, no térreo. Tratou de voltar para o apartamento rapidamente, antes que algum vizinho pudesse vê-la com aquela evidência irrefutável.
Se a flagrassem, talvez até passassem a esperá-la nas reuniões de condomínio, ou o que seria pior, para os chás de bebês e festinhas de aniversário no playground.
Entrou no apartamento e travou a porta com o ferrolho de segurança. Olhou novamente a carta. Os pensamentos vieram em flashes. Com certeza, aquilo tudo havia começado quando aceitou proposta semelhante de um cartão de crédito. Sim, fazia sentido. A partir dali a situação fugira a seu controle.
A ponto de alguém, ou um programa de computador, tê-la selecionado como cliente potencial para uma revista de banalidades. Não podia perder tempo, era preciso fazer alguma coisa para recuperar o antigo perfil de rebeldia. Definitivamente, não queria ser confundida com uma mulher fútil.
Talvez fosse possível uma forma de resistência ativa, quem sabe escrever uma carta de indignação para o departamento de assinaturas. Dizer que aquele engano era incompreensível, que jamais poderiam tê-la exposto a tamanho embaraço.
Mas, no fundo, soube que nada adiantaria. O mundo mudara e ela também. Seus dias de idealismo haviam ficado no passado. Para seu espanto, sentiu que um desejo emergia dos refúgios mais íntimos de sua alma. Repeliu a idéia com veemência. Não, aquilo jamais. Alisamento japonês, nem morta.
A cooptação
Nos últimos tempos ela vinha se sentindo "cooptada pelo sistema", expressão antiga que a incomodava. Tinha deixado de ser gauche para se conformar com a vida.
Só tomava café com adoçante, abolira os cigarros e até seu candidato finalmente vencera a eleição. O que ainda restava para a completa sujeição? O golpe fatal veio naquela manhã.
No meio da correspondência, recebeu uma carta-proposta para ser assinante de uma revista de fuxicos, dessas que médicos e cabeleireiros adoram, mas que dizem comprar apenas para a distração de seus clientes.
Ficou estarrecida. A correspondência foi entregue pelo porteiro, no térreo. Tratou de voltar para o apartamento rapidamente, antes que algum vizinho pudesse vê-la com aquela evidência irrefutável.
Se a flagrassem, talvez até passassem a esperá-la nas reuniões de condomínio, ou o que seria pior, para os chás de bebês e festinhas de aniversário no playground.
Entrou no apartamento e travou a porta com o ferrolho de segurança. Olhou novamente a carta. Os pensamentos vieram em flashes. Com certeza, aquilo tudo havia começado quando aceitou proposta semelhante de um cartão de crédito. Sim, fazia sentido. A partir dali a situação fugira a seu controle.
A ponto de alguém, ou um programa de computador, tê-la selecionado como cliente potencial para uma revista de banalidades. Não podia perder tempo, era preciso fazer alguma coisa para recuperar o antigo perfil de rebeldia. Definitivamente, não queria ser confundida com uma mulher fútil.
Talvez fosse possível uma forma de resistência ativa, quem sabe escrever uma carta de indignação para o departamento de assinaturas. Dizer que aquele engano era incompreensível, que jamais poderiam tê-la exposto a tamanho embaraço.
Mas, no fundo, soube que nada adiantaria. O mundo mudara e ela também. Seus dias de idealismo haviam ficado no passado. Para seu espanto, sentiu que um desejo emergia dos refúgios mais íntimos de sua alma. Repeliu a idéia com veemência. Não, aquilo jamais. Alisamento japonês, nem morta.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas E-mail: acafaria@uol.com.br |