Pensata

Antonio Carlos de Faria

19/12/2002

O vendedor de guarda-chuvas

Na saída do metrô, no largo da Carioca, o camelô aproveita o mau tempo para apregoar seus guarda-chuvas. Maltrapilho, com a barba por fazer, mas sem perder o bom humor ele grita aos passantes:

-Colaborem com o Natal sem fome! Uma parte das vendas vai direto para o meu bolso! Não esperem para ajudar um pobre!

A maioria não compra o produto, mas sorri diante da manifestação desembaraçada. Um sorriso não tem preço -não diria a publicidade?- e assim o camelô perde a chance de ampliar seus ganhos.

Por que as pessoas sorriem? As palavras do camelô têm esse efeito porque causam satisfação - o riso é uma manifestação de prazer. O que agrada na cena do vendedor de guarda-chuvas é que ela subverte o discurso midiático e abre uma oportunidade inédita de interpretação.

No caso, ali está alguém que se diz pobre e que procura uma forma criativa para ganhar a vida. Mas esse não é ainda o fator que foge à expectativa, pois outras pessoas, pobres ou não, também fazem a mesma coisa.

O singular é a apropriação que o camelô faz da campanha que todos os anos procura mobilizar a sociedade às vésperas do Natal.

Ele usa o mote da campanha, mas dispensa os intermediários e pede uma atitude solidária direta. E mais: não quer uma simples doação de alimentos ou dinheiro, pois oferece algo em troca, que vai além de um guarda-chuva - há também o sorriso, que é uma espécie de brinde.

Sua proposta é bem melhor do que a maioria dos programas assistencialistas e deveria ser levada em consideração por todos os que elaboram políticas para diminuir as desigualdades no país.

Enquanto isso, o camelô mantém um olho na mercadoria e o outro na esquina, sempre atento aos fiscais. E, é claro, pede aos céus que venham mais chuvas, antes do Natal.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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