Pensata

Antonio Carlos de Faria

16/01/2003

Cohiba for ever

Depois de ser mal atendido nos táxis e restaurantes oficiais de Cuba, resolvi experimentar os serviços privados tolerados na ilha. No primeiro carrão velho, pergunto ao motorista como ele sobrevive sendo taxista clandestino em um país socialista.

"Clandestinos são eles, que usam carros comprados com dinheiro do povo. Eu rodo por conta própria", responde o rapaz que tem uns 30 anos e herdou do pai o Oldsmobile modelo 1958.

É a primeira de uma série de manifestações hostis ao sistema que passo a ouvir enquanto estou no país. Mas apesar das críticas ferrenhas, os cubanos da economia informal mantêm a cortesia e o bom humor para com os turistas.

Caras amarradas, só nos estabelecimentos legalizados. Parecem funcionários públicos, penso, depois de uma hora tentando ser atendido pela recepção do hotel. Logo a ficha cai. Não parecem. Eles são funcionários públicos. Trabalham em negócios do Estado ou como mão-de-obra cedida para concessões estatais.

Essa é a diferença entre viajar a Cuba por conta própria ou ser convidado do governo. Quando se está ciceroneado por algum agente do Estado, a realidade é mascarada, os sinais se invertem. Os funcionários te tratam bem e o povo fica quieto.

Lula, que já foi hospedado por Fidel Castro quando o visitou em Havana, não teve a chance de ser um turista comum. Talvez por isso continue acreditando que a utopia socialista só não é perfeita por causa da oposição dos EUA. Em uma contradição apenas aparente, o embargo contribui para a continuidade do isolamento da ilha e por conseqüência para a perpetuação de seus dirigentes.

O cubano comum prudentemente se retrai diante do visitante que tem ao lado um membro do governo. Em um país onde só um partido pode se manifestar, fala quem pode e emigra quem consegue construir balsas que cheguem a Miami.

Entre os cubanos que conheci nessa viagem está um ex-oficial do Exército, especialista em contra-espionagem, que já atuou em Angola e na Nicarágua. Ao ser reformado, não vestiu um pijama. Preferiu se dedicar ao comércio ilegal de charutos e cigarros.

Ele controla um negócio que vai desde o desvio de fumo nas fazendas estatais até a produção de "autênticos" Cohibas, semelhantes aos que Lula recebeu por ocasião de sua posse, em Brasília. Os charutos foram entregues pessoalmente por Fidel Castro, estrela em uma festa que não ocorre em seu próprio país há quatro décadas.

O regime de restrições à liberdade sempre foi justificado pela casta burocrática cubana como necessário para proteger o projeto socialista, que, entre outras conquistas, teria alcançado os mais altos níveis educacionais da América Latina.

Se essa conquista é real, por que não permitir a existência dos contrários? Um povo educado não precisa de tutores.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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