Pensata

Antonio Carlos de Faria

23/01/2003

Bandeiras públicas e particulares

Na última crônica, relatei parte de uma viagem a Cuba. Em essência, falei sobre a conhecida falta de liberdade de expressão na ilha.

Numa reação previsível, recebi uma enxurrada de e-mails defendendo o regime cubano. São pessoas que usam o direito de falar para justificar que outras não o façam.

Como argumento, lembram as crianças bem nutridas, a inexistência de miséria absoluta ou prostituição entre os cubanos, embora esta última possa ser constatada por qualquer turista.

Nada disso é incompatível com o exercício da vida democrática, que também não é incompatível com o socialismo, ainda que esta seja apenas uma afirmação teórica, pois falta a experiência que a comprove.

O chamado socialismo real até agora só foi empurrado para a convivência pluralista quando já estava caindo de maduro. Outro destino talvez fosse possível, caso a opção pelo enxerto tivesse sido feita com a árvore ainda em vitalidade. Mas faltou alguma coisa, talvez coragem.

Na história recente brasileira, também tivemos um regime que reivindicava o silêncio dos contrários, dizendo que iria reformar o país. Deu no que deu.

Nos governos militares do Brasil, as manifestações podiam ocorrer por meio de dois partidos, desde que não extrapolassem as suscetibilidades dos mandatários do momento. O jogo funcionava como forma de legitimar o domínio político. Entre os cubanos, a lógica é semelhante, só que opera por meio de um partido único.

Os defensores da ditadura brasileira a justificavam como medida necessária para combater a ameaça comunista. A casta burocrática cubana justifica as restrições à liberdade como salvaguarda contra a ameaça capitalista. Ninguém tem a coragem de dizer que no fundo defende seus próprios interesses.

Mas não é preciso. Deixemos que Machado de Assis o faça. "Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas lhe sobrevivem?", escreveu o mestre, cada vez mais atual.

Antes do ponto final, um esclarecimento. Também tenho a minha modesta bandeira particular ao pé da grande bandeira pública em defesa da liberdade de expressão. Ela é o prazer que sinto, cada vez que posso escrever ou falar o que penso.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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