Pensata

Antonio Carlos de Faria

06/02/2003

O choro dos homens

Algumas pessoas têm se surpreendido por Lula chorar com relativa freqüência, ainda mais em público. Isso não devia causar espanto, pois o choro masculino é cada vez mais comum. O presidente não chora sozinho.

Um amigo jornalista, palmeirense, para chorar menos deixou de ver futebol. O primeiro efeito da melhora de humor foi arranjar uma namorada, aeromoça. Tudo estaria bem, não fosse o fato de ele chorar em despedidas no aeroporto.

Obras da música popular, interpretadas por artistas como Agnaldo Timóteo, Nelson Ned ou Ivan Lins, há muito escancaram esse comportamento que muitos durões ainda tentam negar.

Uma canção exemplar desse estilo é "Sentimental Demais", recentemente gravada por Simone, mas imortalizada por Altemar Dutra. A música, dos anos 60, prova que não é nova a moda de os homens brasileiros serem emotivos.

Essa profusão de sensibilidade deve ser a causa de o filme "Shane" ser chamado aqui de "Os Brutos Também Amam". Lançado em 1953, é o grande clássico do western, o gênero mais macho do cinema.

O criativo título brasileiro pouco faz referência ao filme. A intenção real de seu subtexto talvez seja dizer, de uma forma deslocada, o quão sensíveis são os caubóis nacionais.

Ainda falando em cinema, um outro amigo sofrido, torcedor do Botafogo, evita obras que podem emocioná-lo ainda mais.

Trata-se de uma precaução contra suas próprias reações, pois ele não consegue ouvir o tema do filme "Ghost" sem sentir compulsão de tomar um porre e dançar com a Demi Moore.

Na última vez que isso aconteceu, acordou ao lado de alguém que lhe pareceu a Whoopi Goldberg.

O botafoguense, que nos estádios sempre teve os olhos marejados ao escutar o grito da torcida, atribui o engano da noite cinematográfica ao fato de ser ansioso, não saber esperar.

Por exemplo, sente o peito apertado ao reler manchetes da campanha eleitoral do ano passado. Nesse caso, dormiu sonhando com um novo país e não se conforma por acordar todo dia no mesmo.

Entre outras recordações que o deixam enternecido está a lembrança de que um dia quis ser bombeiro. Mas aí teve sorte. Bombeiro, botafoguense e chorão são trajetórias incompatíveis. Na primeira vez em que ele ouvisse alguém gritando "fooogooo", poderia ficar indeciso entre prestar socorro ou se derramar em lágrimas.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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