Pensata

Antonio Carlos de Faria

05/06/2003

Matrix é pouco

E ainda tem gente que classifica o filme Matrix de ficção científica. Estamos tão acostumados a viver imersos em ilusões que nem mesmo as contestamos e até lhes exigimos bons resultados. Penso nessas coisas enquanto saio do cinema e não vejo nenhum policial. A polícia é uma das ilusões dos brasileiros.

Querem mais exemplos? Que tal aquelas mulheres maravilhosas que desfilam no Carnaval e depois não encontramos na realidade? O fato de vermos a Luma de Oliveira no sambódromo não significa que ela exista. Um olhar mais rigoroso -imediatamente menos feliz- mostra que na verdade ela é um símbolo da completude impossível.

Matrix, show de pancadaria high-tech com verniz filosófico, propõe que o visível é ilusório. Acontece a mesma coisa com o policial que não estava na saída do cinema. Ele continuaria sendo uma ilusão, mesmo que fosse possível vê-lo.

Afinal o que a sociedade pretende quando entrega armas e autoridade para pessoas treinadas por alguns meses e sem remuneração para ter uma vida digna? Só pode querer ser iludida, não é mesmo?

Todo o discurso de combate à violência no Brasil será ilusório se não solucionar essa questão, se continuar a promover a existência de uma polícia ficcional, mal remunerada e mal preparada. Para diminuir a insegurança é preciso fazer justiça social, a começar pela polícia.

Outra ilusão freqüente dos brasileiros é imaginar que estamos nos Estados Unidos. Basta ligar o rádio do carro em um congestionamento. As rádios quase só tocam música em inglês. Quando trazem música brasileira, geralmente é tão ruim, que parecem estar nos convencendo que o lixo pop anglo-saxão é uma alternativa melhor.

Quem mora no Rio conhece a suprema versão carioca dessa americanice circense: a Barra da Tijuca, onde quase todos os letreiros são escritos em inglês e há até uma canhestra reprodução da estátua da Liberdade. Só que a fantasia não funciona. Seu tecido, frágil, está esgarçado por todos os lados.

Quiseram fazer uma nova Miami usando os mesmos padrões salariais e de falta de respeito ao trabalho que prevalecem no Brasil. O resultado é que a mão-de-obra necessária para manter o american dream da Barra incha as favelas não previstas em seu plano original. O sonho derivou para o pesadelo.

Mas falando em ilusão, nada perde para o destaque dado pelo noticiário às manifestações dos radicais do PT. Sob o impacto das manchetes, somos levados a crer que esse é o assunto mais importante para os brasileiros. Os roteiristas de Matrix iriam ficar humilhados diante de tanta imaginação.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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