Pensata

Antonio Carlos de Faria

03/07/2003

O Sidney Sheldon do futebol

Em um dos filmes de Woody Allen uma personagem comenta que na noite anterior havia tido um orgasmo, o que lhe parecia uma vitória, posto que a experiência não lhe era muito comum.

Mas a personagem continua o relato apreensiva, pois não sabia, afinal, se o orgasmo havia sido do tipo correto. É mais ou menos o que acontece quando a gente vê uma vitória da seleção brasileira dirigida por Parreira. Fica aquela impressão de que a conquista não foi lá essas coisas -uma incerteza do gozo.

Volto a falar de Parreira, assunto da semana passada, por causa de muitos e-mails que recebi, a maioria apoiando as críticas que fiz ao técnico. Mas houve também vários que manifestaram apoio ao seu estilo e lembraram sua eficiência, pois ele foi o responsável pela equipe que conquistou a Copa de 94, um gozo depois de 24 anos de abstinência dos brasileiros.

Aproveito para agradecer aos que escreveram, mas peço licença para só citar aqueles que apóiam Parreira, em respeito à diversidade de opiniões e para abreviar o suplício dos leitores. Dos parreiristas, selecionei trechos de dois e-mails que sintetizam brilhantemente os demais. Na próxima semana, prometo mudar de assunto.

Escreve meu amigo Mário Magalhães, grande jornalista e que cobriu in loco a copa do tetracampeonato: "Refiro-me a Carlos Alberto Parreira, o gênio. Sem aspas. Quer dizer que ele quer sempre conduzir seus times rumo a empates? Como explicar que, na famigerada Copa de 94 (...) a seleção foi a equipe que mais segurou a bola no campo de ataque, que mais acertou passes, que mais finalizou, que mais pontos obteve? Se o Parreira queria empatar, como foi campeão? (...) Parreira, entre outras qualidades, é sincero. Por que dizer que os jogadores que lhe permitiram levar para a França-2003 são tão bons quanto os que jogarão as eliminatórias? Seria hipocrisia demais".

Escreve o leitor Leonardo, que viu pela primeira vez em 94 uma conquista brasileira de Copa do Mundo: "É verdade que muitas das vitórias foram sofridas em 94. Mas não foram as de 2002 também bastante sofridas? (...) Copas do mundo são assim, difíceis, e vencer não é fácil. (...) Parreira é técnico vencedor e de grande qualidade, está na hora de apoiarmos o técnico da nossa seleção em vez de ficar cobrando o que ele não pode oferecer".

Quando critiquei Parreira pela recente desclassificação na Copa das Confederações, disse que seu estilo repetiu as mesmas deficiências de 1994, principalmente da fase classificatória. Um jogo medroso, acanhado, sem determinação de vencer.

Aquela foi a Copa que entrou para a história como a vitória do futebol burocrático, sem a mínima pretensão de ser transcendente, de ousar ir além dos limites do já estabelecido.

Respeito os argumentos dos defensores de Parreira e reconheço que se sustentam no sólido pilar da eficiência do técnico. Afinal ele venceu uma Copa, o que muitos tentaram e não conseguiram.

Mas a eficiência é também um daqueles biombos que só ocultam o que não queremos ver. É um argumento que serviria, por exemplo, para consagrar os escritores de best-sellers destinados a ser uma forma de distração. Por esse raciocínio, alguém que venda milhões de livros poderia ser aclamado como um expoente da literatura.

Eficiência sem transcendência, no futebol ou nas artes, constrói obras que não ultrapassam o seu tempo. É um orgasmo tão passageiro, que até provoca dúvidas de que realmente existiu.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca