Pensata

Antonio Carlos de Faria

07/08/2003

A mulata de Einstein

Final de tarde e, casualmente, encontro um amigo jornalista na Colombo, lugar propício para um café, um intervalo em meio à Matrix carioca. Escolhemos uma mesinha junto aos imensos espelhos, com as cadeiras voltadas para o salão que funciona desde 1894.

O jornalista mora em São Paulo e devido a compromissos profissionais há alguns meses se hospeda no hotel Glória que, à semelhança da Colombo, é uma instituição carioca, um cenário da história e de casos históricos.

Ele me conta um desses casos, entusiasmado por tê-lo descoberto em suas andanças pelos corredores do hotel. Em tom sigiloso, revela que entrou na suíte ocupada por Albert Einstein, em maio de 1925.

Foi ali que o célebre cientista escreveu um artigo, comparando suas concepções com diferentes idéias em torno da teoria da luz. Na entrada da suíte, há um fac-símile do manuscrito de Einstein.

Ouvi o relato com sincero interesse. Porém só agora confesso que o que me atraía não era o fato, mas a versão apaixonada.

Eu já conhecia algo a respeito da visita de Einstein -há alguns anos li um artigo na revista Ciência Hoje- mas preferi não atrapalhar o evidente prazer da narrativa acrescentando detalhes que me pareciam desnecessários.

Espero que o amigo me perdoe pela omissão, que afinal foi bem intencionada. Espero também que perdoe minha indiscrição por transformar seu relato na crônica desta semana. Por fim, espero apenas sua compreensão por continuar contando o que aconteceu durante nossa conversa na Colombo, pois, nesse caso, não há perdão.

Enquanto o amigo discorria sobre outra particularidade da visita de Einstein --o interesse pela miscigenação brasileira-- notamos que numa mesa próxima uma bela mulata nos olhava fixamente, de forma misteriosa.

Numa brincadeira --que chamamos de ficção jornalística--, surgiu um jogo no qual passamos a imaginar o que teria feito o cientista nas suas horas de folga, durante o passeio carioca.

Uma das hipóteses seria a de que ele tivesse tido um caso, resultando em uma descendência no Brasil. Aquela mulata poderia ter sido sua neta. Para nosso desgosto ou sorte, ela já estava indo embora e não foi possível exercer a caradura de checar a suposição com a própria fonte.

Quando ela se levantou, desvendamos o outro mistério. Miseravelmente, não era a nós que dirigia o seu olhar enigmático. Na verdade mirava o próprio reflexo no espelho às nossas costas.


Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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