Pensata

Antonio Carlos de Faria

14/08/2003

A luz do Copacabana Palace

O Copacabana Palace faz 80 anos, publicam os jornais. Para dar calor humano, relatam histórias de personalidades que já freqüentaram o hotel mais aristocrático do país. Vale relembrar as noitadas escandalosas de Orson Welles, nos anos 40, ou o mergulho solitário de Lady Di durante uma madrugada de 1991.

Não pode faltar é claro o depoimento de Jorginho Guinle que, sobrinho do primeiro dono, freqüenta o estabelecimento desde a inauguração. Jorginho é o ícone de uma elite carioca em extinção e, de forma enviesada, é também uma perfeita tradução do Rio de Janeiro.

Conhecido como o grande playboy brasileiro, chegou aos 87 anos orgulhando-se de nunca haver trabalhado. Dedicou sua existência a gozar o que recebeu de herança.

O hotel, cuja famosa piscina tem águas tão azuis quanto os olhos de Jorginho, foi uma das jóias vendidas pela família. Comprado nos anos 80 por um empresário norte-americano, dono do grupo Orient Express, o Copacabana Palace superou a decadência sofrida após a morte de seu fundador, nos anos 60.

A manutenção do seu brilho é a grande contribuição do Copa para que se possa superar a outra decadência, a da cidade onde está instalado. Cidade que também vive da dissipação de seu legado. O Rio é uma espécie de playboy em forma urbana.

Como tem um grande estoque de riquezas, a cidade dá-se ao luxo de ser perdulária. Permite a devastação dos recursos naturais. Despreza o patrimônio histórico. Mas o maior risco é o desaparecimento do próprio carioca, que já foi a personificação do bom humor. No seu lugar, está surgindo um sujeito amargurado, que vive se lamentando pelo que poderia ter sido e não foi.

O carioca é um brasileiro sempre um passo à frente. De tudo, ele experimentou primeiro: esvaziamento econômico, favelização, expansão da violência, decepção com governos de esquerda, falta de lideranças políticas e empresariais.

A elite carioca, de maneira particular, também é precursora do exílio asséptico. Enquanto os jecas enriquecidos do Brasil anseiam por casas nos arredores de Miami, os ricos de estirpe do Rio sempre mantiveram residências em Mônaco ou Paris.

Talvez caiba ao Rio da mesma forma o papel pioneiro de vislumbrar a saída do túnel Rebouças. O Copacabana Palace mostra que o trabalho apaixonado e rigoroso pode recuperar e tornar viável um lugar que ao ser criado era uma aposta no futuro.

Ao mesmo tempo, vamos continuar a ouvir as divertidas histórias de Jorginho Guinle, que desfilou pelos salões do Copa com mulheres como Rita Hayworth e Anita Ekberg. Só não vamos acreditar na bravata de que ele nunca trabalhou. Ser testemunha do desmoronamento de um mundo exige um esforço considerável.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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