Pensata

Antonio Carlos de Faria

18/09/2003

Carta ao leitor

Essa crônica é lida semanalmente por quase dez pessoas, às quais agradeço o privilégio que me dão. Um dos membros dessa tribo escreve perguntando minha opinião sobre esse serviço que filtra e-mails, impedindo a proliferação de mensagens automatizadas e/ou indesejadas.

Caro leitor, eu admiro os avanços tecnológicos, mas fico intrigado diante desse muro de proteção. Caso o utilizasse, acredito que estaria me privando de boa parte dos tesouros que chegam todos os dias pelo correio eletrônico.

Incluo nesse rol as propostas para participar de falcatruas envolvendo fortunas de países africanos ou correntes que prometem ganhos financeiros para quem se disponha a perpetuá-las.

Esses textos, muitas vezes, contêm uma argumentação intrincada e revelam uma autoria sofisticada por trás dos seus pseudônimos. Sempre me pergunto sobre quem perde mais tempo -serão os autores, ou serão pessoas como eu, que têm compulsão pela leitura e vão até a última linha de qualquer texto, mesmo de bulas de remédios.

Caro leitor, talvez você comungue comigo o mesmo dilema, então sejamos solidários e sigamos até o fim desta crônica.

Se eu utilizasse o tal filtro, também estaria dificultando e talvez obstruindo a chegada de e-mails curiosos, como o enviado por uma moça há um ano, dizendo ter muita empatia com alguns comentários que escrevi na época.

Diante da proximidade de pontos de vista, ela argumentou que eu poderia ajudá-la a tomar uma decisão: estava noiva há oito anos e não sabia se devia aceitar o pedido de casamento formalizado pelo seu pretendente.

Fiquei sem resposta possível para o questionamento. Meses depois, recebi um novo e-mail dizendo que o meu silêncio havia sido bastante eloqüente e por isso o casamento estava marcado. Se ela estiver lendo a crônica de hoje, espero que tenha sido feliz em sua opção.

Outro e-mail que talvez eu não tivesse recebido, e que me intriga periodicamente, é um que chegou logo depois que publiquei duas crônicas sobre os neandertais. Um leitor enviou algumas considerações que ultrapassaram em muito as pretensões do meu texto.

Em resumo, ele discutia se a trajetória da humanidade desde as cavernas teria sido mesmo uma evolução. Se tomarmos a Claudia Schiffer como referência, a resposta certamente será a de que a humanidade ultrapassou todas as expectativas. Sobre os outros aspectos, é claro que restam muitas dúvidas.

Mas é verdade que o uso desse filtro de e-mails pode nos livrar de uma enxurrada diária de bugigangas e mesmo de propaganda ideológica.

No entanto correríamos o risco de ficar desatualizados sobre os novos modelos de escovas alisadoras para cabelo. Também poderíamos minguar sem as revelações de iluminados da política, que se dedicam a atrair zumbis para suas seitas.

Desses tornei-me alvo depois de escrever, no início deste ano, crônicas relatando impressões de uma visita a Cuba -ilha aonde Lula pretende ir novamente, agora como presidente, e na qual mais uma vez deverá ficar sem saber o que realmente pensa o seu povo.

Como resultado das crônicas cubanas, até hoje recebo e-mails com os dogmas da direita sanguinária ou com as baboseiras da esquerda messiânica.

Caro leitor, não estou interessado em nenhuma dessas propostas, mas certamente não usaria nada que me privasse do divertimento em recebê-las.
Antonio Carlos de Faria é jornalista e vive no Rio de Janeiro. Escreve para a Folha Online às quintas

E-mail: acafaria@uol.com.br

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